Terça-feira, 04 Novembro 2025

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Investigação da Uni-CV alerta para uso desproporcional de recursos hídricos na agricultura

Estudo co-liderado pelo investigador da Universidade de Cabo Verde, Erik Sequeira, revela que a cultura da cana-de-açúcar ocupa atualmente 62% de toda a área irrigada do país e poderá comprometer a sustentabilidade dos recursos hídricos e a segurança alimentar do arquipélago, numa altura em que Cabo Verde já enfrenta grave escassez de água devido às elevadas exigências hídricas desta cultura.

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Em entrevista ao Voz do Archipelago, Erik Sequeira, afirmou que, o estudo “O Estado Atual da Agricultura Irrigada em Cabo Verde e Sua Ligação à Escassez de Água” não propõe eliminar nem criticar a cultura da cana-de-açúcar, mas alerta para o facto de que 62% da área de regadio está ocupada por uma cultura com exigências hídricas bastante elevadas.

Conforme explica, esta prática consome entre 1400 a 1600 milímetros de água por ano, um valor significativamente superior ao de culturas hortícolas essenciais para a alimentação da população.

Questionado se a cana-de-açúcar compromete a disponibilidade de água para outras culturas, Erik Sequeira foi categórico. “Sim, a cana-de-açúcar é uma cultura altamente exigente em termos hídricos. A sua expansão em áreas de regadio reduz a margem de manobra para diversificar culturas, sobretudo nas épocas secas”.

Embora os dados não discriminem a área cultivada por cultura em cada ilha, Santiago e Santo Antão destacam-se como as regiões com maior extensão de regadio. “Tendo em conta a elevada percentagem da cana a nível nacional, é legítimo assumir que estas são também as ilhas com maior produção de cana-de-açúcar”, refere o investigador.

Diversificação agrícola como solução

Erik Sequeira defende que “a solução não passa pela extinção da cana-de-açúcar, mas sim por encontrar um equilíbrio que respeite o seu papel histórico, económico e cultural no país”. Nesse sentido, propõe a diversificação agrícola com culturas como batata-doce, tomate, cebola, cenoura, couve e feijão”, que trazem três vantagens essenciais, designadamente, maior eficiência no uso da água, contributo direto para a melhoria da nutrição da população e uma gestão mais sustentável dos recursos hídricos de regadio.

Sobre a possibilidade de reconversão agrícola, o investigador mostra-se otimista, mas cauteloso, e afirma que “é possível, mas exige uma abordagem estratégica e sistémica”.

Para tal, considera essenciais medidas como o planeamento governamental intersectorial com metas claras, a criação de incentivos à diversificação agrícola nas zonas de regadio, a capacitação técnica dos agricultores com apoio científico, o investimento em tecnologias de rega eficiente e a promoção de um debate nacional que valorize simultaneamente a importância económica da cana-de-açúcar e a soberania alimentar do país.

Sistemas de irrigação com falhas técnicas

O estudo aponta também fragilidades nos sistemas de irrigação gota-a-gota que, apesar de mais eficientes na teoria, sofrem de deficiências no projeto hidráulico, falta de manutenção atempada e gestão empírica, levando a perdas por percolação que podem atingir 255 milímetros por ano.

Para colmatar estas falhas, o investigador defende investimentos no desassoreamento de barragens, modernização da distribuição de água, formação de agricultores e técnicos, incentivo a culturas com maior produtividade hídrica e melhoria da governação e da capacidade técnica do sector.

De acordo com o estudo, otimizar o uso da água e melhorar o desempenho agrícola são imperativos para garantir a sustentabilidade da agricultura irrigada em Cabo Verde, num contexto de crescentes restrições hídricas e riscos climáticos.

Método do estudo

Segundo Erik Sequeira, para obter esses resultados, foi necessário analisar dados do Instituto Nacional de Estatística, do Ministério da Agricultura e de organizações internacionais como a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). A metodologia baseou-se na comparação entre a área total de regadio e a área cultivada por tipo de cultura, teste que revelou a predominância da cana-de-açúcar no uso da água para fins agrícolas.

 

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