
Com Álvaro Ludgero Andrade, em Washington D.C.
“Um presente para os cabo-verdianos que nasceram aqui (nos Estados Unidos) e para Cabo Verde”, é como Manuel da Luz Gonçalves introduz o English to Kriolu Capeverdean Dictionary (Dicionário de inglês para crioulo cabo-verdiano, em tradução livre para o Português) apresentado nesta semana na capital dos Estados Unidos.
Esta obra, que surge 10 anos depois depois do lançamento do Capeverdean Creole-english Dictionary (Dicionário do crioulo cabo-verdiano para o Inglês), tem cerca de 130 mil palavras e muitas fotos porque, para o seu autor, um dicionário “além de palavra transmite tradição, cultura, provérbios, tem de capturar o sentido cultural de um palavra”.
Depois do lançamento da obra no dia 3 de outubro no Boston Public School Office of Multilingual and Multicultural Education, em Massachussets, na quarta-feira, 8, o autor era um homem feliz e realizado antes da apresentação do dicionário na prestigiada Universidade de Howard, em Washington DC, um evento realizado em parceria com a Mili Mila, uma organização a que Manuel da Luz Goncalves pertence e dedicada à promoção da língua cabo-verdiana, e também pela Comissão para os 50 anos da Independência de Cabo Verde em Washington DC.
“Esta obra é um contributo para a promoção do Crioulo e mais uma pedra para o reconhecimento do Crioulo em Cabo Verde, principalmente”, explica o escritor e pedagogo que tem visto as suas obras muito bem recebidas pela academia. Ele mesmo, acrescenta na conversa que mantivemos, ministrou crioulo em várias universidades, nomeadamente na UMass Boston, na Bridgewater State University, no Rhode Island College e no programa de verão da Harvard”.
Longo caminho
Com cerca de 130 mil palavras, o English to Kriolu Capeverdean Dictionary é também ilustrado com fotos que “explicam” o sentido das palavras. “Dicionário é preservação da nossa língua para não morrer, ele tem outro valor, além da palavra transmite tradição, cultura, provérbios, tem de capturar o sentido cultural de uma palavra, o que permite criar força para manter a nossa língua, cultura e história”.
A conhecida polémica das variantes do Crioulo ou do cabo-verdiano passa ao lado de Manuel da Luz Gonçalves, para quem “elas não constituem pobreza, mas as variantes são uma riqueza” e na obra “não deixamos nenhuma de lado”. O autor sublinha que “Cesária cantou a nossa morna em todas as variantes e todo o mundo gostou”.
O caminho para a afirmação do Crioulo não tem sido fácil para Manuel da Luz Gonçalves, natural de Pico, ilha do Fogo, desde que emigrou para os Estados Unidos, com a família em 1974. “Não havia material escrito, por exemplo, transcrevi letras de mais de 200 músicas de cd porque elas eram apenas cantadas, não havia lírica”, lembra.
Depois de concluir os estudos em metodologia bilingue e de se formar em conselheiro pedagógico, Gonçalves leccionou num programa bilingue na South Boston High School antes de se transferir para as escolas Madison Park Technical Vocational e Jeremiah E. Burke. Também bebeu da experiência do ensino bilingue no “Creole” do Haiti, que lhe despertou “para um maior aprofundamento do nosso Crioulo”.
Começou a dar aulas de Crioulo em 1978. Antes de lançar o Capeverdean Creole-english Dictionary, em 2015, ele publicou outras obras, no âmbito da organização Mimi Mila, como “Nu Papia Krioulu”.
Um debate sem sentido
Manuel da Luz Gonçalves vê com bons olhos o crescimento do interesse pela língua cabo-verdiana nos Estados Unidos, tanto no espaço académico, “em que é um tema que atrai muito interesse”, como junto das novas gerações, especialmente as nascidas nos Estados Unidos. Também destaca o lançamento de livros em Crioulo ou sobre a língua materna em Cabo Verde por parte de jovens, “o que confirma não só o interesse pela língua, como a sua assunção como parte fundamental da nossa identidade”.
“Lamento que a nível oficial não se tenha avançado mais”, sublinha aquele escritor quem não entende o debate recorrente “e desnecessário” Crioulo versus Português.
“O ensino do Crioulo não é obstáculo para aprender Português, muito pelo contrário, aprender uma língua nos permite aprender outras línguas, aqui ensina-se inglês, apesar de falarem inglês desde crianças, mas têm de apreender, tem de ser assim”, fundamenta Gonçalves, quem acrescenta que essa forma de pensar está na origem da realidade que “temos em Cabo Verde, a nível da população, não da elite: estuda-se o Português, mas fala-se mal, fala-se bem o Crioulo e não sabemos escrever”.
“Se ensinarmos e aprendermos o Crioulo bem, aprenderemos muito melhor as outras línguas”, remata Gonçalves que trabalhou de 2010 a 2012 na organização americana Corpo da Paz, em Cabo Verde. Nessa altura, diz, “os voluntários que começaram a estudar o Crioulo em vez do Português tiveram um melhor desempenho porque bebiam também do ambiente local e, depois, se aprofundaram no Português”.
Primeiras impressões
Agora, a obra será objecto da análise de estudiosos e do público.
O Presidente de Cabo Verde, José Maria Neves, num comentário publicado na página da Mili Mila no Facebook, escreve que o dicionário “chega até nós como uma peça indispensável e
é… um companheiro inseparável dos cabo-verdianos na afirmação da sua identidade nacional e no louvor da crioulidade, no seu zelo soberano pela modernidade e na promoção dos seus ideais de Nação Global”.
A cantora Mayra Andrade acentua que “o Crioulo cabo-verdiano é, sem dúvida, o símbolo da nossa identidade”. Ela acrescenta que “africanos, europeus e todos aqueles que passaram pelas ilhas deixaram a sua marca, fazendo da nossa identidade plural o nosso maior património. A nossa língua será sempre o bálsamo para a nossa alma, uma ponte entre os cabo-verdianos; um vasto oceano, sempre em movimento, enriquecendo-se continuamente com os sabores distintivos da sua diáspora. Este dicionário é uma verdadeira dádiva para o mundo, facilitando a aprendizagem do nosso crioulo a um maior número de pessoas”.
Nos Estados Unidos, a senadora estatal de Massachussets, Liz Miranda, destaca que “a comunicação clara é inestimável para a construção de autonomia e, com um dicionário de Inglês para Crioulo, conseguimos fornecer um recurso que fortalecerá e legitimará o que os nossos ancestrais falam há gerações”. Ela conclui que “seja para ajudar no trabalho ou para aprender um novo idioma, este dicionário é uma ferramenta que nos une num mundo cada vez mais dividido”.
Depois de Boston e Washington DC, o Kriolu Capeverdean Dictionary será apresentado a 18 de Outubro no Cape Verdean Museum, em Pawtucket, Estado de Rhode Island, e no próximo mês no Estado da Carolina do Norte.
Álvaro Ludgero Andrade
Washington DC
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