Sábado, 18 Outubro 2025

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Cristina Duarte sobre a Diáspora cabo-verdiana: é preciso “institucionalizar a pertença e operacionalizar os intangíveis”

Encerra hoje, 17, na cidade da Praia, o Congresso Internacional de Quadros Cabo-verdianos. Sob o lema “Um Diálogo entre o País e a Diáspora”, o evento conta com a participação de Cristina Duarte, Subsecretária-Geral das Nações Unidas e Conselheira Especial para África, que ontem, 16, defendeu que é necessário passar-se “de transações para capacidades, de remessas em soltado para normas e redes, de políticas pontuais para aplicadores institucionais”.

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Na sua intervenção no Painel II, dedicado ao tema “Diáspora, Economia, Investimentos e Desenvolvimento: Que Modelo de Integração da Diáspora no Desenvolvimento Sustentável de Cabo Verde?”, Cristina Duarte defendeu uma mudança fundamental de paradigma. “A diáspora fica reduzida no quanto que é demanda ou quanto que é compra, numa lógica transacional em detrimento de uma política transformacional”, alertou.

A antiga ministra das Finanças de Cabo Verde sustentou que a resposta não está em “inventar o próximo produto financeiro”, mas sim em “institucionalizar a pertença e operacionalizar os intangíveis”.

Um dos pontos centrais da sua apresentação foi o conceito de “sentimento de pertença” como elemento fundamental para mobilizar a diáspora. “Nada disto funciona sem o sentimento de pertença. É ela que atravessa as gerações”, enfatizou Cristina Duarte, alertando que este sentimento está “em permanente processo de erosão”, mesmo dentro do próprio país.

A responsável das Nações Unidas sublinhou que a quarta geração na diáspora está repleta de engenheiros, médicos, investigadores, empreendedores tecnológicos “e quem sabe, astronautas”. Contudo, advertiu: “Estes só se mobilizam se Cabo Verde faz parte do seu gosto”. O sentimento de pertença, defendeu, “não se nega, constrói-se com a narrativa, com as instituições e experiência”.

Cristina Duarte referenciou casos de sucesso em países como Gana, Libéria e Serra Leoa, que tratam a diáspora “com política transversal, não só capital e consumo, mas bem-estar, cultura, ciência e economia de influência”. Citou também exemplos europeus e asiáticos, destacando que “quando há ecossistemas de acolhimento, universidades, centros tecnológicos, os resultados deixam de depender da boa vontade e passam a depender de processos transversais em sistemas de países bem-estruturados”.

Entre as áreas prioritárias identificadas pela subsecretária-geral da ONU estão: reconhecimento e certificação, redes regulatórias, estratégias “go to market” para startups, criação de capital externo e laboratórios à escala regional.

Outros desafios

O painel contou ainda com a intervenção de Francisco Tavares, representante do Vice-primeiro-ministro e Ministro das Finanças, que apresentou dados reveladores sobre o peso da diáspora na economia cabo-verdiana. Os depósitos a prazo dos imigrantes representam 21,1% do PIB, enquanto as remessas atingem 22,6% do PIB – valores superiores às receitas do turismo e ao investimento direto estrangeiro em Cabo Verde.

Francisco Tavares destacou o potencial de crescimento de diversos setores estratégicos: a economia azul deverá passar de 8% para 25% do PIB até 2030; a economia digital tem potencial de crescimento de 20%, atingindo 2,4 milhões; a agricultura pode passar de 4% para 15% do PIB, criando 30 mil empregos qualificados; e o turismo e a indústria manufatureira também apresentam perspetivas de forte expansão.

Contudo, o representante do Ministério das Finanças levantou questões cruciais: “Qual é o volume de investimento dos imigrantes em Cabo Verde? Qual é o número de cientistas na diáspora, e em que áreas estão? Qual é o número de empresários, e em que é que eles podem investir?”

Para Cristina Duarte, a vantagem competitiva de Cabo Verde não será o baixo custo nem a sua desvantagem o tamanho do mercado. “Neste momento são irrelevantes. Será o domínio técnico e regulador e um nicho onde a nossa agilidade insular é uma função”, afirmou. A responsável da ONU defendeu que Cabo Verde precisa de “competências exportáveis, padrões compatíveis e redes ativas da região” para deixar de ser “meio milhão a olhar para o mercado de 470 [milhões]” e passar a ser “meio milhão que já opera dentro dos 470”.

O painel contou ainda com a participação de Naomi Shiferaw Kebede, especialista regional da Organização Internacional para as Migrações (OIM), e Coumar Ananda, Presidente da Câmara de Comércio França-Índia, que partilhou boas práticas do modelo indiano de integração da diáspora.

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