Segunda-feira, 12 Maio 2025

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“Undi é nha Lugar”: exposição fotográfica dá voz à parentalidade atípica

O Palácio da Cultura Ildo Lobo, na cidade da Praia, acolhe a partir de hoje, 11 de maio, a exposição fotográfica “Undi ki é nha Lugar”, da fotógrafa Chris Borges. Mais do que uma mostra artística, esta é uma declaração de coragem, um apelo à empatia e uma plataforma de visibilidade para famílias que vivem a parentalidade atípica em Cabo Verde.

A inspiração para este projeto remonta à infância da autora. “Desde criança, convivi com famílias, especialmente monoparentais, com crianças atípicas, onde as mães faziam o que podiam e o que não podiam para dar o melhor. A luta era sempre solitária e silenciosa”, explica Chris Borges.

A exposição nasce, assim, de uma memória coletiva de invisibilidade de mães que resistem, silenciosamente, nos braços da esperança, e o seu título, em crioulo cabo-verdiano (“Undi ki é nha Lugar”), surgiu do sentimento recorrente entre estas famílias: uma espécie de deslocamento social, como se não pertencessem ao tecido comunitário. “É um questionamento que ecoa entre as paredes dos lares e que precisa, urgentemente, de ser exteriorizado”, afirma a fotógrafa.

A semente da exposição foi lançada durante um episódio vivido no Plateau, onde Chris Borges viu uma mãe com o seu filho visivelmente atípico. “Senti uma vontade genuína de me aproximar e brincar com a criança. Naquele instante, percebi que devia dar voz a essas mães.” O episódio foi apenas o reflexo de uma realidade que sempre a rodeou, tanto no ambiente familiar como comunitário.

O poder transformador da arte

A exposição quer desconstruir estigmas, dar espaço ao afeto e à escuta, e despertar políticas públicas mais inclusivas. “Gostaria que o público compreendesse que o coletivo pode e deve acolher as famílias atípicas sem preconceito. É preciso falar dos diagnósticos com naturalidade, sem reduzir o ser humano à sua condição”, defende Borges.

A autora vai mais longe, apelando a medidas concretas: acesso a medicamentos e terapias, educação inclusiva, proteção laboral para cuidadores, apoio psicológico e infraestruturas acessíveis. “É urgente aumentar a consciência de que a dor invisível não precisa de ter forma visível. Está presente em noites mal dormidas, em listas de espera intermináveis, no julgamento alheio e na constante necessidade de justificar o comportamento dos filhos.”

Uma mudança já em curso

Chris Borges acredita que a mudança de perceções já começou: “O simples facto de várias famílias permitirem ser fotografadas é um gesto de grande coragem.” Além disso, têm surgido grupos de partilha de experiências nas redes sociais e lives mensais dedicadas à temática da parentalidade atípica.

O processo de seleção das famílias foi feito por candidatura, respeitando o tempo e os limites emocionais de cada uma. Nem sempre foi fácil. “Algumas famílias mostraram uma abertura imediata, outras precisaram de mais tempo. Existe um medo natural de exposição pública, principalmente numa sociedade onde o tabu ainda impera.”

Do lado logístico, as deslocações inter-ilhas foram o maior desafio. No entanto, nada demoveu a autora do seu propósito: mostrar, através da arte, a força resiliente destas famílias e desafiar o olhar social sobre a diferença.

“Undi ki é nha Lugar” estará patente a partir de 11 de maio, às 16h00, no Palácio da Cultura Ildo Lobo.

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