Sábado, 14 Junho 2025

Grande Entrevista

Joe da Moura: Estamos a perder jovens cabo-verdianos nos EUA por influência de outras culturas

Está patente no Cape Verdean Museum até 4 de julho a exposição “A Escravatura em Cabo Verde e as Ligações Globais”, em homenagem ao 50º aniversário da independência nacional. Em entrevista ao nosso jornal, Joe Moura, diretor do museu, explica que o tema foi escolhido porque é uma parte do nosso passado que nem é conhecida dos cabo-verdianos, nem vem nos livros de História dos Estados Unidos da América (EUA), quando Cabo Verde foi um importante entreposto de venda escravos, que inclusive foram levados para aquele país.

Por: Teresa Sofia Fortes

Por que fazer uma exposição no museu sobre a escravatura em Cabo Verde para celebrar o 50º aniversário da independência do país, e não uma sobre o processo de independência?

É uma exposição necessária não só para educar o povo, em geral, mas sobretudo os jovens cabo-verdianos nos Estados Unidos da América, para que conheçam a nossa história, e a nossa história completa.  Aqui nos EUA, muitos pais não têm tempo para se sentarem e falar com os filhos e nós, como museu, temos o dever de ajudá-los a ensinar os seus filhos sobre a sua identidade e sobre a sua história a fim de que sintam mais cabo-verdianos.

Tu foste para os EUA, com seis anos, e já estás lá há 45, e enquanto estudante, na escola, nunca ouviu falar do capítulo da escravatura em Cabo Verde, certo?

Sim, verdade. Nos meus 45 anos nos EUA, em que fui à escola e à universidade, mas nunca ouvir falar de cabo-verdianos. Somos os primeiros africanos que chegaram nos EUA sem ser na condição de escravos, mas nunca ouvimos falar disso.

O que podemos ver na exposição se formos ao museu?

É uma grande exposição, pois fizemos uma parceria com o Arquivo Histórico Nacional de Cabo Verde, que já fez uma exposição sobre este tema. Estive em Cabo Verde, e lá estabelecemos um protocolo com o AHN, que disponibilizou essa exposição para nós. Acrescentamos outros elementos, entretanto, graças a uma parceria que fizemos com o fotógrafo Ron Barboza.

Além de documentos, que mais podemos ver na exposição?

Sim, temos documentos, nomeadamente de 1856, sobre um navio de escravos, com informações sobre todos os escravos que foram transportados nesse navio e para onde foram. Da Cidade Velha trouxemos várias peças, nomeadamente informações sobre barcos que fundeavam no Tarrafal e ainda quatro mapas do século XVII, doados anonimamente ao museu, e também braceletes usados por escravos, encontrados num dos navios que fundeavam no Tarrafal, no tempo da escravatura, e panu terra, que era moeda de troca na compra de escravos.

Mas nas escolas americanas não se fala de escravatura pelo menos nas aulas de História?

Sim, fala-se da escravatura, mas não se menciona Cabo Verde. Eu, na universidade, estudei a história dos negros e da escravatura nos Estados Unidos da América, mas em nenhum momento mencionou-se Cabo Verde.

Mas há escravos que saíram de Cabo Verde e foram vendidos nos EUA?

Sim, há, mas não em tão grande número como os que foram para o Brasil e as Caraíbas (Aruba, Curaçau, Haiti, República Dominicana). Através da nossa exposição sobre o tema queremos mostrar a ligação de Cabo Verde não só com os EUA, como também com o mundo inteiro. Por exemplo, os EUA tinham no tempo da escravatura o Africa Squadron, em parceria com a Inglaterra, com o objetivo de acabar com a escravatura. Mas, os EUA, tendo em conta a sua ligação com Portugal, tinham outros interesses, daí que Africa Squadron não funcionou em relação a Cabo Verde.

Por que é importante fazer esta exposição sobre a escravatura em Cabo Verde, neste momento?

Esta é o momento certo porque estamos a perder os nossos jovens cabo-verdianos nos EUA por causa da influência de outras culturas, que acham mais interessante, mais cativante. Estando nós a celebrar os 50 anos da independência de Cabo Verde, e porque devemos conhecer realmente a nossa história, nós, como primeiro museu cabo-verdiano nos EUA, temos que reforçar a divulgação da nossa história, nomeadamente o capítulo sobre a escravatura.

Os jovens cabo-verdianos e de origem cabo-verdiana sabem da existência e visitam o museu?

Temos incentivados os pais a trazerem os seus filhos ao Cape Verdean Museum. Também temos mantido contato com as escolas dos três estados mais próximos – Connecticut, Rhode Island e Massachusetts -, convidando-as a trazerem os seus alunos, cabo-verdianos ou não, de todos os níveis de ensino. Há, inclusive, uma escola que há 18 anos visita o nosso museu, todos os anos! No geral, já recebemos visita de pessoas de 58 países diferentes, e de 40 estados dos EUA.

Faz então um balanço positivo?

Sim, faço um balanço bastante positivo, especialmente do último ano, pois comprámos um prédio com o dinheiro que angariámos através de uma campanha que fizemos, e que é quatro vezes maior do que o espaço onde estávamos há cinco anos. Antes tínhamos um andar, de cerca de 1.200m2, agora temos 4.400 m2,

Como arranjam peças para o vosso museu?

Comprámos muito pouco, e é isso que também nos torna um museu muito especial. Noventa por cento do que temos no museu foi doado pela comunidade cabo-verdiana, mas também temos um doador anónimo, que nos deu os quatro mapas originais do século XVII de que já falei e outros documentos originais de Cabo Verde, nomeadamente do período antes da independência, que relatam como decorria a guerra contra os colonos portugueses, que não teríamos capacidade para comprar.

É difícil para os cabo-verdianos preservarem a sua cultura nos EUA?

Nos Estados Unidos da América, nós, cabo-verdianos, sempre tentámos preservar a nossa cultura, mas uma das coisas que perdemos, particularmente os mais velhos, é a nossa língua, o nosso crioulo. Nos últimos 40 anos, a situação melhorou, há mais cabo-verdianos a falar crioulo, e nós, no Capeverdean Museum, damos aulas para quem quer aprender a falar crioulo. É um curso que fazemos quatro vezes por ano. Também estamos a dar aulas de música cabo-verdiana – Kim Alves é o diretor do curso – para que crianças, jovens e também adultos conheçam todos os estilos de música cabo-verdiana que existem.

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