Quarta-feira, 06 Agosto 2025

Grande Entrevista

Helena Ferreira, presidente da AMJ: “A justiça, para ser justa, tem de ser célere”

Helena Ferreira, presidente da AMJ: “A justiça, para ser justa, tem de ser célere”

A Associação Cabo-Verdiana das Mulheres Juristas completa agora 25 anos de existência, afirmando-se como uma das mais influentes organizações da sociedade civil na defesa dos direitos humanos em Cabo Verde. Criada em 2000, a AMJ tem desenvolvido um papel crucial no acesso à justiça, com foco na promoção da igualdade de género e no combate à violência baseada no género. Sobre esta efeméride o jornal Voz do Archipelago esteve à conversa com a presidente da associação, Helena Ferreira, que fez um balanço do percurso da AMJ, os seus marcos, desafios e conquistas.

Por: Any Gomes 

“Em 25 anos, a AMJ tem sido uma voz firme e ativa na defesa dos direitos das mulheres, das crianças e das populações mais vulneráveis. Contribuímos para colocar os direitos humanos no centro das políticas públicas em Cabo Verde, especialmente no que toca à igualdade de género e ao acesso à justiça”, afirma Helena Ferreira. Ao longo destes anos, a AMJ destacou-se pela sua intervenção na elaboração e divulgação da legislação sobre VBG, bem como pelo atendimento jurídico gratuito a pessoas com carência económica. Segundo a presidente da AMJ, a associação tornou-se uma referência não só pelo que faz, mas pela forma como o faz.                                                   

“Não se trata apenas de dar informação jurídica. O que oferecemos é acompanhamento humano, escuta ativa, empatia. O nosso atendimento é sempre feito por juristas qualificadas, com respeito, sigilo e profissionalismo. Para muitas mulheres, vir à AMJ é o primeiro passo para romper com ciclos de violência, silêncio e medo”, realça Helena Ferreira.  A presidente da AMJ reforça que os serviços jurídicos prestados não se limitam a apoio a vítimas de violência. Também dão orientação nas áreas de direito da família, laboral e outras situações que, muitas vezes, impedem as pessoas de exercer os seus direitos por falta de conhecimento ou recursos.

“Muitas vezes, um simples esclarecimento jurídico pode mudar vidas. Há mulheres que nos procuram perdidas, sem saber o que fazer, e saem com um plano, com clareza, com coragem para agir”, alega a jurista.  

Projetos que deixaram marca

Entre os projetos mais emblemáticos da AMJ, destaca-se aquele que apoiou a aprovação e divulgação da Lei da VBG, com financiamento da Cooperação Espanhola. “Foi um marco histórico. Não só contribuímos para o processo legislativo, como também estivemos no terreno, a traduzir a lei para uma linguagem acessível, a formar polícias, profissionais de saúde, professores, e a sensibilizar comunidades. Esse projeto deu-nos visibilidade, mas, mais importante do que isso, salvou vidas”, diz Helena Ferreira. 

Além disso, a AMJ participa atualmente no projeto Juntamon, focado na prevenção e proteção contra o abuso sexual de crianças e adolescentes. “Estamos a falar de crimes que destroem a infância. É fundamental prevenir, informar, agir com celeridade. E isso só é possível com trabalho em rede, com envolvimento de instituições e organizações parceiras”, defende a presidente da AMJ. 

A importância das parcerias  

A AMJ não possui delegações nas outras ilhas, pelo que a sua ação nacional depende fortemente da articulação com outras organizações. Essa metodologia tem sido uma das chaves do sucesso, segundo Helena Ferreira. “Temos protocolos com o ICIEG e com o Ministério da Justiça. Trabalhamos em parceria com outras organizações, como a OMCV, Morabi. Neste momento estamos construindo uma rede de trabalho no quadro do Projeto Djunta Mom liderado pelas Aldeias Infantis SOS de Cabo Verde, que inclui o ICCA, a ACRIDES e outras organizações. O nosso alcance só é possível porque trabalhamos em rede. Uma associação sozinha não consegue fazer tudo. É na partilha que se fortalece o impacto”, explica a dirigente da AMJ. 

Um legado de empoderamento e transformação

Para Helena Ferreira, estar à frente da AMJ é mais do que um cargo: é uma missão pessoal. “A AMJ foi o meu primeiro emprego depois de regressar do Brasil, onde estudei Direito. Aqui aprendi tudo: elaboração de projetos, coordenação, advocacia social, mobilização comunitária. Hoje, liderar esta associação é a forma de devolver à sociedade aquilo que recebi. É um compromisso com as mulheres que me inspiraram e com as gerações que virão”, conta Helena Ferreira. 

Com 123 associadas, a AMJ quer também reforçar o envolvimento da nova geração de mulheres juristas, promovendo uma maior participação e inovação no trabalho da organização. Para Helena Ferreira, “vivemos novos tempos, com novos desafios. Hoje, para além da violência física, enfrentamos crimes digitais, violência psicológica, perseguição online. As mulheres juristas mais jovens trazem uma visão fresca, uma capacidade de adaptação às tecnologias, e são fundamentais para continuar esta luta por justiça.”

Reflexões sobre o sistema de justiça

Questionada sobre o funcionamento da justiça em Cabo Verde, a presidente reconhece os avanços, mas aponta a lentidão dos processos como um dos principais obstáculos, sobretudo nos casos de VBG e abuso sexual.  “A justiça, para ser justa, tem de ser célere. Não podemos permitir que uma vítima espere anos por uma decisão judicial. Isso agrava o sofrimento e mina a confiança no sistema. Precisamos de reformas, algumas legislativas, sim, mas, acima de tudo, estruturais e orçamentais”, defende Helena Ferreira. 

Comemorações e futuro

Para assinalar os 25 anos, a AMJ está a preparar um conjunto de atividades para o segundo semestre de 2025, incluindo o lançamento de um novo projeto nacional. “Ainda não posso revelar todos os detalhes, mas é um projeto transformador, que reforça o nosso compromisso com os direitos humanos, com as mulheres e com a construção de um Cabo Verde mais justo”, conta Helena Ferreira. 

Apesar dos desafios, Helena Ferreira deixa uma mensagem de esperança e persistência: “Celebrar 25 anos é reconhecer que avançámos muito, mas também que ainda há um longo caminho a percorrer. Só teremos uma verdadeira igualdade de género quando nenhuma mulher for vítima de violência, quando nenhuma criança tiver a sua infância interrompida por um abuso. Vamos continuar a lutar, a formar, a esclarecer. Queremos um Cabo Verde onde todos conheçam os seus direitos e saibam como os fazer valer”.

Tags

Partilhar esta notícia