Na segunda parte da grande entrevista ao Voz do Archipelago, os irmãos Vanessa e Julius Britto revelam os detalhes da viagem que os trouxe de volta a Cabo Verde com uma comitiva familiar de 16 pessoas, entre os 5 e os 78 anos. O reencontro com cerca de 50 parentes em Assomada foi o momento central de uma deslocação marcada por visitas a locais históricos que reforçaram o compromisso da família com as suas raízes.
Por: Teresa Sofia Fortes
Voz do Archipelago – Vocês estarão em Cabo Verde, dentro de alguns dias (a entrevista foi feita antes de chegaram ao país), com um total de 11 membros da vossa família, de segunda, terceira e quarta geração, certo?
Vanessa Britto (VB) – Não, seremos 16. Não são todos membros da nossa família, mas o grupo é formado por 16 pessoas, com idade compreendida entre os 5 e os 78 anos.
Voz do Archipelago – Como toda essa geração da sua família mantém a conexão com Cape Verde, através da língua cabo-verdiana, da música, da cozinha, de visitas ao país?
Julius Britto (JB) – Para o meu filho, esta será a primeira vez em Cabo Verde, enquanto para a minha filha, será a segunda vez. Nós temos um negócio de assistência domiciliária e empregamos 112 cabo-verdianos, portanto, convivem com muitas pessoas que falam o crioulo, mas também me ouvem a tentar falar. Ou seja, entendem a língua e sentem orgulho da sua origem.
VB – Eu sou médica, exerço medicina interna, e já estive em Cabo Verde inúmeras vezes, fazendo missões médicas nas ilhas do Fogo e Brava. A primeira vez foi em 1989, junto com a minha mãe, e fomos ver a nossa família que está lá, em Palha Carga, Rubon Manel, e sempre que volto nos sentamos, comemos, rimos, choramos e escutamos música, todos juntos. Além disso, tenho muitos amigos em Cabo Verde, e mais seis ilhas para visitar. Assim como o Julius, em todos os lugares onde trabalhei, eu tentei estabelecer conexão com Cabo Verde. Trabalhei, por exemplo, no Wesley College, fora de Boston, por 15 anos, e eu consegui estabelecer um programa de internamento, começando em 2009, e agora estão dois alunos do Wesley College morando em Praia, que todos os anos vão a Cabo Verde e trabalham com diversas organizações, nomeadamente a OMCV, e fazem coisas realmente maravilhosas. Foi muito importante para mim estabelecer conexão com instituições educativas que podem ajudar Cabo Verde a pensar grande e em maneiras de crescer e fazer melhor. Trabalho agora na Universidade de Brown, em Providence, e tenho crioulos em todo o meu entorno, e sempre tenho uma bandeira de Cabo Verde no meu escritório, e, em janeiro passado, levei 12 alunos da Universidade de Brown para Cabo Verde, em janeiro deste ano, para imergi-los na história e cultura local, e ensinar-lhes sobre o sistema de saúde do país, para que possamos ser um thing tank e um parceiro de Cabo Verde para ajudar com a saúde pública em Cape Verde. Então, eu tento, pessoalmente e profissionalmente, sempre ter Cabo Verde na minha mente e no meu coração.
JB – Eu fui com a Vanessa a Cabo Verde, em janeiro, e eu levei dois americanos comigo, que estão organizando os programas para o navio Ernestina, que, todos os anos, num período de três semanas, recebe visita de alunos das escolas de New Bedford. Esses dois americanos foram a Cabo Verde para aprender mais sobre o país. Fomos com eles para Cidade Velha, Tarrafal e muitos outros lugares no curto espaço de tempo que estivemos lá, e eles trouxeram com eles a morabeza e uma compreensão sobre Cabo Verde, assim como brinquedos, jogos e instrumentos para que pudessem dar aos filhos de cabo-verdianos que vivem ou nasceram nos Estados Unidos a mesma experiência que teriam se estivessem em um barco vindo de Cabo Verde como o Ernestina.
VB – Quero partilhar o que me disse um dia um vizinho meu. Um dia, declarou: “Nunca vai entender Cabo Verde até ir lá e cheirar a poeira, a terra. E se colocar seus pés na água, vai tem que voltar”.
Voz do Archipelago – Como vai ser o encontro que a vossa comitiva familiar, vinda dos Estados Unidos da América vai ter, na cidade de Assomada, com os vossos parentes que vivem no concelho de Santa Catarina?
VB – Nós nem conseguimos imaginar como vai ser esse encontro! Vão estar lá cerca de 50 parentes, além de nós, os 16 que vieram dos Estados Unidos da América. Vamos conhecer novos membros da família e reencontrar outros. Vai ser uma grande celebração, algo com que nós sonhamos por muitos, muitos, muitos anos.
Voz do Archipelago – Algum tempo atrás, entrevistei Joe da Moura, diretor do Cape Verdean Museum, que, entre outras coisas, disse que os cabo-verdianos nos Estados Unidos da América, principalmente os jovens, estão a perder a ligação com o Cabo Verde. Concordam?
VB – Acho que para uma cultura emigrante só são precisas duas gerações para que os laços com a cultura de origem se tornem mais e mais frágeis. Daí que você tem que ser realmente muito intencional em manter as conexões, e isso exige esforço extra. Mas, é muito, muito importante, fazer isso, senão as conexões desaparecerão. Na nossa família são já sete gerações nos Estados Unidos da América, não é Julius?
JB – Sim.
VB – Talvez, para nós como família, ao pensarmos nos nossos bisavôs, que sobreviveram a um quase desastre no mar, a caminho dos Estados Unidos … Eles não sobreviveram a tudo isso para nós só esquecermos de onde eles vieram e de onde nós viemos. Assim, por extensão, Julius e eu estamos nesta cruzada pessoal para tentar comunicar, até mesmo às pessoas que não são cabo-verdianas, qual é o nosso lugar no mundo e por que somos importantes, especialmente na Diáspora.
Voz do Archipelago – Nos últimos três, dois anos, muitos jovens têm deixado Cabo Verde em busca de uma vida melhor. Uns dizem que o desejo de emigrar é algo que faz parte dos cabo-verdianos, porque Cabo Verde não tem condições para dar uma boa vida a todos. Outros alegam que devemos todos ficar e lutar por uma vida melhor. Como descendentes de emigrantes, qual a vossa opinião sobre isto?
JB – Eu não julgo e não aponto o dedo a ninguém, dizendo “faz isto, faz aquilo”. O que eu diria é que, quando deixámos o nosso país em busca de uma vida melhor, não devemos esquecer dos que ficaram lá, faça algo que possa ajudá-los. Depois, pense na sua reforma em Cabo Verde, esta será a melhor parte!
VB – Concordo com o Julius. Cabo Verde não tem recursos naturais, não tem ouro, não tem diamantes, mas, do nosso ponto de vista, a riqueza está em nós como pessoas, como diáspora, como pessoas que estão lá no país. Nós que estamos em uma posição de fazer isso, devemos partilhar os nossos dons e talentos e nossas habilidades, não para que Cabo Verde se torne dependente, mas para que nós possamos ajudar o país a aprender como “pescar” por si mesmo.
Voz do Archipelago – Além de Rubon Manel, planeiam visitar alguns sítios históricos: Cidade Verde, Tarrafal, Fundação Amílcar Cabral. Por que escolheram estes lugares?
VB – Cabo Verde tem uma parte muito importante na história do mundo, embora seja pequeno, e não é falado, não é tão bem conhecido como deveria ser. Já viajamos para vários lugares do mundo e admiramos a beleza desses lugares. Ora, Cabo Verde também tem muitos lugares realmente lindos e monumentos realmente importantes e outras coisas que realmente que é essencial que as pessoas entendam. Para nós sermos cidadãos do mundo temos que entender como o mundo está interconectado e, nós, cabo-verdianos, fazemos parte disto. E eu e o Julius queremos que as próximas gerações da nossa família entendam isso, adquiram conhecimento cultural. Às vezes, nós nos desvalorizamos e isso [as visitas] serão uma forma de termos mais autoestima e respeito por nós mesmos, porque nós também desempenhamos uma parte importante na história, daí que é importante mostrar esses lugares para as próximas gerações.
Voz do Archipelago – Vanessa, fez três missões médicas em Cabo Verde, nas ilhas do Fogo, Santiago e Brava. Em que consistiram essas missões? Planeia fazer mais missões médicas em Cabo Verde?
VA – Bem, eu não sou uma cirurgiã e as missões médicas, regra geral, são integradas por cirurgiões. E fazer cirurgia é uma coisa muito concreta, pois o cirurgião acompanha o paciente por um período de tempo, mas depois segue com outras operações. Ora, o trabalho que eu faço em saúde é de longo prazo, é sobre construir relações com as pessoas para que entendam como cuidar de si próprias, como prevenir e tratar doenças, e sobre ter políticas que ajudem as pessoas a não ter doenças. Do meu ponto de vista, eu acho que é muito importante para nós pensarmos nas pessoas mais vulneráveis, daí que penso nas pessoas na ilha Brava, que têm muito pouco e muito poucos recursos, e seria bom fazer, eventualmente, é trabalhar com os fazedores de políticas públicas para juntos pensamos em como conectar as ilhas, não pensando nelas como ilhas isoladas, e como redistribuir os recursos para que sejam mais iguais e as pessoas que estão nas ilhas mais remotas ou que têm menos recursos também possam beneficiar de um sistema de saúde robusto. Assim, a minha resposta, é sim, quero continuar a ajudar o setor da saúde pública em Cabo Verde.
Voz do Archipelago – Qual a sua opinião, Julius: como pode a comunidade cabo-verdiana nos EUA ajudar Cabo Verde para que possamos alcançar um nível mais alto de desenvolvimento?
JB – Os agentes com quem trabalhei no Tribunal Federal por muitos anos sempre me diziam que os cabo-verdianos são muito trabalhadores e honestos. A forma como nós podemos nos representar é continuar trabalhando duro e honestamente, e eu ouvi isso do Pedro Pires, para que possamos ser os melhores cabo-verdianos que podemos ser, onde quer que estejamos no mundo.
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