Quarta-feira, 30 Abril 2025

Grande Entrevista

"A política não é só razão, é também coração"

Hoje, 29 de abril, dia da cidade da Praia, conversamos com a presidente da Assembleia Municipal. Clara Marques reflete nesta conversa com Voz do Archipelago sobre a sua opção de fazer uma política de proximidade, visando não só valorizar a Assembleia Municipal, como também fazer este órgão municipal contribuir mais para o desenvolvimento da Praia cidade e município, mas também fala da importância de haver mais mulheres nos cargos municipais a fim de, trazendo o seu jeito de pensar e fazer, junto com os homens, construam uma Praia melhor.

Por: Teresa Sofia Fortes

A cidade da Praia celebra hoje mais um aniversário. O que pode a Assembleia Municipal fazer para garantir uma Praia mais inclusiva e com foco na qualidade de vida dos seus habitantes?

Praia é a capital do país, com cerca de 150 mil habitantes, e também é o maior município de Cabo Verde, com pessoas de várias categorias sociais, que vêm das ilhas em busca de uma vida melhor. Um dos pilares da assembleia municipal é a defesa dos interesses dos munícipes, daí que aconselhámos sempre os deputados municipais a não só ouvir os problemas e expectativas das pessoas nas visitas que fazem às comunidades, mas também que lhes mostrem alternativas e que as aconselhem a apropriarem-se um pouco mais dos seus bairros e da cidade da Praia, no seu todo. Pois, ainda é um grande desafio que todos pensem na Praia como uma cidade boa para se viver.

Outro desafio enorme é Código de Postura Municipal. Por que é tão difícil coloca-lo em prática?

Nós temos essa competência partilhada com o Ministério da Administração Interna, porque agora é que começamos a ter polícias municipais. Antes, tínhamos guardas municipais que não tinham competências para tal. Conseguimos formá-los e neste momento, temos uma polícia municipal que já começou a atuar, mais no período de manhã, impondo ordem nos mercados e ruas. Mas temos ainda que aprender a respeitar os outros e isso não depende só das autoridades policiais e camarárias. As igrejas, associações cívicas, as comunidades, as escolas e, sobretudo, as famílias devem dar educação aos seus membros, para que haja esse interesse e respeito pelo bem-estar do outro. A educação não se aprende na escola, na escola adquirimos conhecimento, mas saber estar e saber ser, aprende-se no seio da família.

No próximo mês de maio, a cidade da Praia vai acolher o 1º Fórum Internacional Mulher e os Desenvolvimento Para si, quão importante é a realização deste Fórum na capital Cabo Verde?

Foi com muito agrado que eu recebi a organização deste fórum Internacional, porque as mulheres enfrentam em todo o mundo uma variedade de desafios, incluindo desigualdade de género, falta de representação em posições de liderança, acesso limitado à educação e outros recursos. Cada mulher tem uma história única para contar e conhecimentos valiosos para partilhar e há mulheres que já fizeram muito e que têm feito diferença nas suas comunidades, nos seus países, daí a importância de capacitar e realizar fóruns deste tipo para que as mulheres possam ter um futuro mais sustentável.

O que representa para si a sua reeleição, pela segunda vez, como presidente da Assembleia Municipal da Praia?

Quando fui eleita presidente da Assembleia Municipal da Praia pela primeira vez, comecei logo a trabalhar para honrar a confiança que os praienses depositaram em mim, principiando com a elaboração de um plano estratégico de quatro anos e a reorganização da Assembleia Municipal, criando uma cultural organizacional, tendo em conta que, infelizmente, encontramos uma situação bastante caótica. Trabalhamos no sentido de valorizar a assembleia municipal, pois não é. Conhece-se os presidentes de câmara, os vereadores, mas a assembleia municipal não é, na maioria dos casos, destacada e reconhecida. Apostámos na comunicação, criando um site na internet e fizemos uma coisa que nunca nenhum município fez, que foi instituir audiências semanais, para os munícipes poderem expor as suas expectativas. Também aumentamos as visitas às comunidades e criámos comissões especializadas permanentes e montámos um calendário anual de sessões ordinárias e extraordinárias para debates acerca da política municipal e do estado do município, algo que está no nosso regimento, mas que antes não se fazia. Criámos e aprovámos igualmente o logotipo e a bandeira da nossa assembleia municipal, elementos que nenhuma outra assembleia municipal cabo-verdiana tem, com o intuito de criarmos uma identidade própria. Eu sei que aprendem na escola, no terceiro ano, sobre o poder local, daí que optámos por receber nas instalações da Assembleia e da Câmara Municipal alunos mais crescidos e dar-lhes oportunidade de fazer perguntas e ouvir os líderes desses dois órgãos. Além disso, convidamos crianças em idade escolar para assistir in loco a um dia de sessão municipal para verem como funciona e conhecerem os deputados municipais, vereadores e os presidentes. Em dezembro último, quatro anos depois, fui reeleita. Acredito que conseguimos isso porque os munícipes viram que servimos às pessoas.

Os munícipes aderiram à participação nas sessões ordinárias?

Antes, havia essa prática, mas só de vez em quando. Nós incentivamos os munícipes a virem mais vezes, sobretudo para fazerem perguntas e darmos as necessárias respostas para que entendam melhor a política municipal. Promovemos igualmente o debate anual do Estado do Município, que é objeto de uma transmissão live, já que não temos um canal de televisão que possa fazer isso, como faz a Assembleia Nacional. Também realizamos uma média de 610 ações, enquanto os outros municípios nem chegam a 100, para não dizer 80, pois normalmente a sua atividade resume-se a três sessões ordinárias, as sessões extraordinárias e pouco mais. Por tudo isto, a Assembleia Municipal da Praia é hoje considerada uma das assembleias mais importantes em termos de dinamização.

Acredita que agora os praienses sabem o que é e o que faz uma Assembleia Municipal?

Acredito, mas gostaria de fazer uma pesquisa para ter certeza. Neste novo mandato, vamos procurar melhorar todas as inovações e boas práticas que adotámos e introduzir mais novidades. Pretendemos fazer a revisão do nosso regimento e uma governança de proximidade, ou seja, os munícipes vão poder participar tanto das sessões extraordinárias, quanto nas ordinárias, para que assim possamos melhorar o nosso desempenho. Nós queremos ainda criar, pela primeira vez em Cabo Verde, uma rede de mulheres autarcas. Acreditamos que já é hora de saberem mais e participarem mais na política.

Na sua opinião o que é que significa esta crescente participação e presença das mulheres nos cargos de liderança?

A lei da paridade veio permitir que houvesse mais mulheres na política, constatamos em 2020 e 2024, com a eleição de mais mulheres para as assembleias municipais. Mas, para mim, isso não chega. Não basta elegermos mulheres para as assembleias municipais e conseguir que sejam vereadoras. É importante haver vontade política para também termos mulheres na presidência das câmaras municipais. Por isso, queremos empoderar as mulheres para que reivindiquem esse cargo de liderança.

Já há da parte das mulheres cabo-verdianas grande vontade de fazer política?

Anos atrás, pode ter sido verdade, mas, hoje, as mulheres não estarem viradas para a política é um mito. Há essa vontade, mas é preciso que se crie as condições. E quando há condições para se fazer uma política séria e honesta, as mulheres com certeza aderem. É preciso que os partidos formem as mulheres nesse sentido e também lhes deem oportunidades, pois são os dirigentes políticos que convidam as pessoas para esses cargos eletivos. Nós temos que mostrar que somos competentes, tanto ou mais do que os homens, para podermos ser reconhecidas.

A não divisão das tarefas domésticas é apontada como uma das causas do déficite da participação das mulheres na política, e não só. O que pode ser feito a nível de políticas nacionais ou municipais para que haja equilíbrio? 

É verdade, ainda há muitos homens que não ajudam nas tarefas domésticas. Mas estamos a verificar que entre a nova geração de jovens casais já há divisão de tarefas. Também temos instituições, como o ICIEG e o Laço Branco, que lidam com esta questão, sensibilizando mulheres e homens. Mas as mentalidades não mudam de um dia para outro, é preciso tempo e o tempo de mudança, creio eu, chegou.

Acredita que a presença da mulher na política traz algo diferente?

A mulher pensa de forma mais abrangente, e, logo, tem sensibilidade também para ver muitas outras coisas que os homens não veem. Vê muito mais com o coração do que com a razão, por conseguinte, conseguem tomar decisões mais assertivas, isso também ajuda na condução da política, pois a política não é só razão, é coração também.

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