O Parque Tecnológico de Cabo Verde é oficialmente inaugurado esta segunda-feira, 5, na Praia, e terça-feira, 6, no Mindelo
Um investimento de 50 milhões de euros, com o apoio do Banco Africano de Desenvolvimento, o Tech Park de Cabo Verde inaugura hoje, 5, na Praia, e 6, no Mindelo. Carlos Monteiro, presidente do Conselho de Administração desta empresa pública, explica em entrevista que, para além de um conjunto de infraestruturas de última geração que já alberga 23 empresas de sete nacionalidades, o parque tecnológico pretende transformar a economia digital numa nova âncora do país, beneficiando de uma Zona Económica Especial para Tecnologias com incentivos fiscais muito atrativos.
Por: Teresa Sofia Fortes
Ouvimos falar, de quando em vez, do Tech Park nos órgãos de comunicação social, sobretudo quando o assunto diz respeito ao NOSI, mas, na verdade, é muito mais do que isso. Afinal, o que é o Tech Park?
A sua pergunta é pertinente, e é a pergunta de todos. Tudo isto é relativamente recente, de modo que ainda há algumas confusões. Bem, o Tech Park é uma empresa que nasceu de um spin off, como se diz em inglês, ou seja, a partir do Nosi. O Nosi é uma empresa mais antiga, que remonta aos anos 1990, quando ainda era o RAF, que depois veio a transformar-se no Nosi, E.P. Entretanto, houve um investimento do Estado de Cabo Verde, porque surgiu a necessidade de se criarem data centres, e construir-se o primeiro data center, que é pré Tech Park. Mas, entretanto, devido à decisão principalmente do atual Governo de diversificar a economia, e devido à propensão de Cabo Verde para o digital, foi decisão do Governo transformar a economia digital na nova âncora de Cabo Verde, daí a aposta na infraestruturação do país, desde as coletividades, por exemplo, há dois anos ligou-se um importante cabo de fibra ótica, que é o Ella Link, e em 2017, iniciou-se a construção desta infraestrutura que hoje chamamos Parque Tecnológico de Cabo Verde, que é uma empresa autónoma (S.A), independente do Nosi, que é quem faz a gestão do data center do Estado e que cuida da rede do Estado, das redes digitais e exporta serviços às entidades públicas no domínio digital. Já o Parque Tecnológico é uma infraestrutura física com várias valências, cujo negócio é cuidar das infraestruturas dedicadas ao digital. Somos o gestor de toda a infraestrutura que existe pertencente ao Estado e temos a missão, não só de cuidar das infraestruturas, como também promover o ecossistema digital em Cabo Verde, esta é a diferença comparativamente ao Nosi.
E quais são as valências do Tech Park, já em funcionamento ou que virão a estar futuramente?
Vamos inaugurar o Tech Park no dia 5 (hoje), mas há coisa de dois anos, desde 2023, algumas valências do Tech Park já estavam prontas e decidiu-se, para ganharmos tempo e oportunidade, iniciar operações, mormente na Praia, no Mindelo só será a partir do dia 6 (amanhã). Assim, neste momento temos o Tech Park a funcionar a 70%, quando tem cinco componentes nos dois polos, um na cidade da Praia e outro no Mindelo. As componentes do Tech Park de Cabo Verde são cinco. Desde logo, os data centres. Já tínhamos um data center, que, neste momento, é gerido pelo Nosi, que é um data center público. Mas, houve a necessidade também de fazer um data center que é um data center disaster recovery, que é um data center de backup. Porque os data centers, em existindo, enfrentam sempre perigos, que existem em toda parte do mundo: ataques cibernéticos, catástrofes naturais, etc, etc. Portanto, há sempre que securizar o data center e as recomendações são para que esse data center de backup esteja a, pelo menos, 75 quilómetros do outro data center. Nós optámos por construir esse data center na ilha de S. Vicente, o que ficou ainda melhor, e que é o espelho do data center da Praia. Vamos ter um terceiro data center, que será instalado na Praia e há a perspetiva de o Tech Park entregá-lo à gestão privada, enquanto o que existe está sob gestão pública. A segunda componente do Tech Park é o Incubation Center, que também é a sede da empresa e a porta de entrada do Tech Park. É aqui que os jovens começam a carreira no digital, que vêm com ideias de negócios. Nós, aqui, acolhemos programas de incubação, dando todo o apoio para que saiam da fase de incubação e se tornem startups e depois se consolidem como empresas. Portanto, este centro tem, fundamentalmente, esta missão. A terceira componente é o Espaço Empresas, em inglês Business Center. É o espaço para empresas maduras, que fica no extremo do Tech Park. Temos uma quarta componente, que, para nós, é uma das componentes mais importantes do Tech Park, que é a componente de treino e certificação. Porque, se nós pretendemos ter uma economia digital forte, robusta, com capacidade de ombrear com outras regiões do mundo e exportar serviços, nós temos que ter gente preparada, recursos humanos bem formados. Mas não é só dar treino em tecnologias digitais, que evoluem vertiginosamente como estamos a ver agora com a Inteligência Artificial, mas também fazer certificação. Nós, Tech Park, não vemos Cabo Verde como o seu mercado final, o nosso mercado é o mundo global. Neste momento, temos empresas no Tech Park que trabalham para mercados europeus, a ideia aqui é a exportação de serviços. Mas, para conseguirmos exportar serviços para esses mercados, nós temos que ter gente que teve treino, mas gente que também está certificada. Microsoft, Oracle, etc., essas grandes companhias do mundo, para permitir que um técnico nacional trabalhe, mesmo que remotamente, a partir de Cabo Verde para eles, exigem que essa pessoa passe pelo crivo da certificação, e o centro do Tech Park permite não só o treino, mas também permite a certificação dos nossos recursos humanos. Por fim, o quinto componente é o nosso espaço de eventos, o Conference Center, que é um edifício onde temos um auditório com 400 lugares, salas VIP, salas para conferências paralelas, etc. É um edifício onde pretendemos sediar eventos no digital, não só nacionais, mas também regionais e internacionais. Mas, naturalmente, não vai focar-se só nisto. Queremos abrigar também cultura. A nossa ideia é posicionarmo-nos no digital, tendo a cultura como a nossa embaixadora, pois Cabo Verde é muito mais conhecido por causa da sua cultura.
Ter todas estas valências implicou certamente um grande investimento. Estamos a falar de que valor?
O Tech Park é um projeto, globalmente, que atinge a cifra dos 50 milhões de euros, com a comparticipação do Governo de Cabo Verde. Os data centres consomem muitos recursos, daí que a maior parte do investimento foi neles. É um parque construído em cerca de nove hectares, mas ainda temos terrenos para expansão e para outros projetos.
Em termos de infraestruturação, equipamentos e serviços, o Tech Park neste momento está no ponto em que desejavam que estivesse?
Sim, globalmente. Os edifícios estão praticamente prontos e mobilados. O elo mais fraco neste momento é o espaço verde, pois esta zona, em particular, é muito ventosa, daí que temos tido alguma dificuldade em consolidar o espaço verde aqui no Tech Park. Mas estamos empenhados em fazer com que a beleza arquitetónica que existe seja acompanhada de um forte espaço verde, porque pretendemos que esta zona seja uma das mais atrativas da cidade para trabalhar e para lazer, já que também temos espaço para prática de desporto, um restaurante que ainda não está adjudicado, mas que queremos que seja gerido pelos melhores, e vai ser por isso objeto de um concurso público. O Tech Park vai estar aberto à cidade, as pessoas podem vir aqui visitar. Naturalmente, haverá restrições, mas será um espaço para servir a cidade.
De quem é a autoria deste projeto a nível arquitetónico?
O Tech Park é um projeto da autoria de um consórcio liderado pelo arquiteto cabo-verdiano Maurício dos Santos. É uma arquitetura com muito valor, muita qualidade e tem sido objeto de muitos elogios. Já recebemos aqui vários eventos internacionais e os que vêm de fora também elogiam muito a arquitetura do Tech Park.
Mas o projeto do Governo para o digital não se fica pelo Tech Park. A ideia é ir mais longe, criando uma Zona Económica Especial para Tecnologias (ZEET). Explique-nos como se pretende fazer isso?
Associado ao projeto do Parque Tecnológico, o Governo decidiu também que, além deste parque, vamos ter uma zona franca. Porque nós precisamos atrair investimentos para Cabo Verde, atraindo as multinacionais. Precisamos de empresas de peso para virem instalar-se no Tech Park para fazer investimentos, inclusive temos terrenos disponíveis, daí que o Governo decidiu que é preciso dar incentivos. Um dos incentivos são as isenções, tanto para empresas nacionais, como internacionais. Portanto, o ZEET é um plus.
Qual é a dimensão do projeto ZEET em termos de área e investimento financeiro?
É uma pergunta pertinente. Estamos focados nesse projeto e, embora ainda não tenha feito um balanço, mas será um dos maiores, se não o maior investimento e legado deste Governo.
Quais são estes incentivos que o ZEET vai oferecer para poder atrair investimentos e empresas e ainda exportar serviços para o mundo? Sei que o plano é começar pelo mercado oeste-africano, certo?
Exatamente. Os incentivos constantes do ZEET consistem em taxa zero em quase tudo. A única taxa que se pagará é 2,5% de Corporate Income Tax, ou seja, o imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, quando, normalmente, as empresas em Cabo Verde pagam 25%. No Tech Park/ZEET será 10 vezes menos, 2,5%. Só isto. Há isenção do IVA e da taxa de importação. Imagine, por exemplo, que uma empresa queira vir estabelecer-se aqui no Tech Park e precisa de mobiliário, computadores, servidores, viaturas, pode importar e não paga impostos aduaneiros. Isenção, também, por exemplo, na distribuição dos dividendos ao longo do ano. Por exemplo, no final do ano, se a sua empresa é uma sociedade detida por vários sócios e resolve distribuir rendimento, isso poderá ser feito a taxa zero.
O Tech Park vai ser inaugurado hoje, mas já funciona. Além da administração e dos seus colaboradores, que empresas e serviços laboram aqui?
Neste momento, temos 23 empresas a trabalhar aqui, de sete nacionalidades diferentes e quase 400 pessoas a trabalhar diariamente no Tech Park, a maioria delas privadas, e que exportam serviços, a única que é pública é o Nosi.
Mas quem são os colaboradores do Tech Park? Qual é o perfil do trabalhador de uma empresa como esta?
O Tech Park é uma S.A. (Sociedade Anónima) e temos estado bastante atentos à gestão dos recursos humanos porque ainda estamos na fase inicial. Somos cerca de 15 pessoas, mas temos também colaboradores que trabalham connosco de forma terceirizada, nomeadamente nos setores jurídico, financeiro e contabilístico, limpeza, segurança, etc. Assim, ao todo, são 40 a 50 pessoas que trabalham permanentemente no Tech Park.
E qual é o principal desafio de gerir toda esta empresa e infraestrutura, que acaba por ser uma coisa nova?
Porque é algo novo, o desafio é mesmo esse. Está tudo por fazer, por construir e por criar, mas o principal desafio de qualquer empresa é a sustentabilidade financeira, é obrigatório garantir que as receitas cobrem os custos. Mas também temos o desafio da manutenção e da poupança energética, pois são cinco edifícios de grande porte. Mas temos ainda um desafio mais macro, que é o crescimento do Tech Park no sentido de criarmos o ecossistema digital, ter cada vez mais empresas interessadas em instalar-se no Tech Park, cada vez mais eventos, cada vez mais programas de incubação.
Em Cabo Verde ainda temos algumas limitações de recursos. Por exemplo, para que este parque tecnológico funcione bem, o que é que não pode falhar?
O desafio neste momento é o custo energético. Está previsto no plano de negócios do Tech Park que as receitas dos data centres vão servir para financiar o parque tecnológico. Se não tivermos um abaixamento dos custos de energia, estaremos em dificuldades para competir com o mundo, porque lá fora os data centers têm energia mais barata do que nós, e teremos dificuldade em pôr os nossos data centers sustentáveis e, automaticamente, menos recursos virão para o Tech Park.
Não há um plano vosso de investimento em energias renováveis?
Nos terrenos que temos contíguos, não temos tanto espaço para instalar painéis solares para produzir toda a potência que os data centers exigem. Entretanto, temos um plano para trazer a energia eólica para os data centres e já fizemos alguns contactos com algumas empresas de energia eólica, mas as torres eólicas também não podem ser instaladas aqui, mas pode-se injetar essa energia na rede. Ademais, o Tech Park, para além da sua arquitetura arrojada, é composto por edifícios que ajudam na poupança de energia. Também já tem um concurso para que todos os edifícios, à exceção dos data centers, sejam autossuficientes em energia. Ou seja, nos telhados de todos os edifícios, vamos colocar painéis solares para que sejam completamente autónomos em termos de energia para o seu funcionamento.
Amanhã será inaugurado o polo do Mindelo do Tech Park. O que difere entre este polo e o da Praia?
Diferem pouco, porque são a mesma empresa, assim como a cultura, mas o espaço é menor em São Vicente.
Há dias, num certo evento realizado no Tech Park afirmou que a sua ambição como CEO da empresa e também do Governo é que, assim como o turismo é fundamental para a nossa economia, o digital se torne também um motor da economia de Cabo Verde. Há condições para que isso aconteça?
Queremos que o ecossistema digital venha a ombrear com o turismo como motor da nossa economia e para que isto aconteça o Governo está a apostar fortemente e seriamente no digital. Desde logo, temos o Ministério da Economia Digital, que é fundamental. Está-se também a investir em infraestruturas, em formação. Anualmente há programas que levam os nossos jovens lá para fora para estudar, estando entre os melhores. E basta ver que, por exemplo, se for ver as 10 maiores empresas do mundo, neste momento, são do setor digital. Estamos a semear as sementes, que são as infraestruturas. Assim, poderemos, num horizonte bem curto, estar a ombrear com o turismo.
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