Segunda-feira, 25 Agosto 2025

Encostada à coluna

Maria Madalena de Jesus: O que é a idade!

Nas minhas compras de sábado, encontrei a Lurdes e, antes mesmo de perguntar como ela estava, ela já foi logo disparando:

— Daqui a uns dias faço 60 anos!

Fez uma pausa dramática, esperando a minha reação. Mas antes que eu pudesse sequer arquear uma sobrancelha, ela completou, com aquele brilho no olhar de quem já preparou a resposta para qualquer comentário:

— Mas olha para mim! Eu pareço ter 60?

 

Eu, que não sou boba, sabia que essa era uma pergunta retórica. O tipo de armadilha onde qualquer resposta hesitante pode comprometer uma amizade de infância. Então fiz o que qualquer amiga sensata faria: arregalei os olhos, abanei a cabeça e soltei um entusiasmado “de forma alguma!”.

Ela sorriu satisfeita, como se eu tivesse passado num teste secreto. E a verdade é que eu não estava a mentir. Lá estava a Lurdes, cheia de energia, falando de novos projetos, viagens, ideias. Nem parecia que estava prestes a completar seis décadas. O problema era o calendário, esse delinquente, que teimava em contar os anos sem pedir a opinião dela.

— O que é a idade? — continuou, com a empolgação de quem tem ainda muita estrada pela frente. — Para mim, idade é um conceito inventado para vender cremes antirrugas e vitaminas para a memória!

Rio, e ela animou-se ainda mais:

— Olha, se a idade fosse real mesmo, eu devia estar a cansar-me mais rápido, não achas? Mas não! Eu ainda tenho disposição para trabalhar, para sair, para aprender coisas novas! Só não vou me inscrever no curso de paraquedismo que estão aí a publicitar e tirar a carta de moto porque a minha filha disse para deixar de aventuras. Agora, sabes quem me preocupa?

Fez uma pausa dramática e baixou o tom da voz, como quem vai revelar um segredo escandaloso.

— Os jovens de hoje.

Aproximei-me um pouco, já sentindo que vinha coisa boa.

— Porque, repara bem! Eu acordo cedo, faço mil coisas, trabalho, ainda ajudo meio mundo. E à noite, se me chamam para um jantar ou para um pezinho de dança, estou pronta! Mas esses miúdos? Meu Deus, estão sempre exaustos! Não têm energia para nada!

Ela suspirou, indignada.

— Hoje em dia, um jovem de 25 anos fala que já se sente velho. Mas velho de quê, criatura?! O peso do celular está a afetar a coluna? O esforço de abrir o Facebook, o Tik Tok e o Instagram está a consumir toda a energia?

E eu, que já estava rindo, vi que ela estava só a aquecer.

— E não é só isso! Outro dia vi um rapaz dizer que estava “muito velho” para sair de casa depois das 22h. Como assim?! Quando eu tinha 25, começava a me arrumar às 23h para ir às discotecas! Agora, se um jantar passa das nove, eles já olham para o relógio com ar de sofrimento, como se estivessem prestes a virar abóbora!

Eu ria cada vez mais alto, e ela prosseguiu, decidida a provar o seu ponto.

— E mais! Uma menina de 20 anos disse-me para cuidar do meu sono, porque “dormir pouco envelhece mais rápido”. Mais rápido do que o quê, minha filha?! Eu já estou nos 60, já cruzei a linha de chegada, agora estou é na prorrogação!

Ficamos as duas a rir, e eu percebi que, na verdade, ela tinha razão. A idade é um estado de espírito. Se ela acreditava que não tinha 60 anos, quem era eu para discordar?

E foi aí que ela fez uma pausa, com um sorriso travesso:

— Sabes o que me diverte? É pensar nos 60 de antigamente… A minha mãe, por exemplo, com 60 anos, já era considerada uma “senhora de idade”. Usava óculos grossos, ficava horas a descansar no sofá e, se aparecesse algum evento, já dizia que “a juventude está com tudo, mas eu tenho o meu lugar no meu sofá”.

Ela riu sozinha, e eu percebi que, de fato, os 60 mudaram de um tempo para cá. Antigamente, essa era a idade de se afastar da vida social, de colocar chinelos ou pantufas, dependendo da estação do ano, de esconder nas lembranças de tempos passados. Hoje, a regra é outra: o que importa é continuar em movimento, com a mesma energia de antes, mas com uma atitude bem mais irónica em relação ao tempo.

Mas então, já a caminho da saída, ela parou de repente, deu um pequeno gemido e levou a mão às costas.

— Ai… acho que me levantei depressa demais. Preciso comprar um anti-inflamatório… Mas isto não tem nada a ver com idade, hã? Foi só a cadeira que era muito dura!

E lá foi ela, balançando a cabeça e praguejando contra o mobiliário inadequado para quem ainda tem energia de sobra.

E eu fiquei ali, a pensar que talvez o segredo para não envelhecer seja exatamente esse: manter o humor, seguir em frente e nunca, mas nunca, dar muita confiança para o calendário.

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