Terça-feira, 02 Dezembro 2025

Encostada à coluna

Maria Madalena de Jesus: Felicidade!

Tenho estado, nos últimos dias, talvez instigada pelas tantas histórias que me chegam através de vozes conhecidas, a refletir com mais profundidade sobre o que afinal é a felicidade. Comparo a de hoje, inquieta e fugaz, com a de outrora, que guardo na memória como serena e cheia de raiz. E, quanto mais penso, mais me parece plausível afirmar que a felicidade é uma senhora caprichosa, que muda de roupa conforme a época e de humor conforme a pressa do mundo.

Comparo a felicidade de outrora com o jeito de uma mulher antiga: discreta, de vestido de algodão, cheiro de alfazema e passos que não faziam barulho. Os vizinhos conheciam-se pelo nome, as crianças brincavam até ao cair do sol e havia sempre alguém disposto a estender uma mão quando fosse preciso.

Era uma felicidade sem espetáculo, quase envergonhada com tanta simplicidade. Chegava devagar, sem anúncios, sem filtros, sem selfies. Manifestava-se no café acabado de torrar, nas conversas à porta, no descanso depois de um dia de trabalho, no silêncio que acalmava. E tinha uma força teimosa: mesmo quando faltava dinheiro, quando a água teimava em aparecer na torneira ou quando o tempo era duro, ela insistia em manter-se de pé — sólida, plantada como uma árvore resistente.

Mas o mundo acelerou, e essa felicidade ficou para trás. Hoje, apresenta-se de roupas finas, relógios caros, carros potentes, smartphones de última geração e viagens múltiplas. É rápida, barulhenta, performativa. Exige palco, luz e testemunhas. Quer likes, aplausos e seguidores. É uma espécie de estrela pop emocional: aparece brilhante, mas cansa.

E nós, quase sem dar conta, passámos a correr atrás desta nova versão como quem tenta agarrar espuma: parece muito, mas desfaz-se logo na mão. Confundimos felicidade com excitação, com compras impulsivas, com a promessa de mais um destino no passaporte ou de mais um objeto que “vai resolver tudo”. Hoje, mais do que ser, é preciso parecer feliz — como se a vida tivesse de ser permanentemente fotogénica para ter algum valor.

Mas há dias em que essa felicidade envernizada não aparece — nem com filtro, nem com céu azul, nem com música suave a acompanhar. E é nesses dias que o vazio se instala. É aí que percebemos que talvez tenhamos trocado profundidade por brilho, substância por aparência, presença por distração.

A felicidade de outrora era comunitária; a de hoje é solitária.
A de antes nascia dentro; a de agora depende do que mostramos fora.
A de ontem crescia devagar; a de hoje evapora depressa.

E, ainda assim, a verdade é que a felicidade continua no mesmo lugar de sempre: dentro de nós, nos afetos que cultivamos, na coerência entre o que queremos e o que fazemos, na capacidade de parar, respirar e reconhecer o essencial. Nós é que nos afastámos dela com demasiadas urgências e expectativas de vitrina.

Tags

Partilhar esta notícia