Segunda-feira, 03 Novembro 2025

Encostada à coluna

Maria Madalena de Jesus: Mães com Wi-Fi no coração e filhos em modo Bluetooth

O WhatsApp vibra. Vi uma mensagem que entrou da Ana, uma conhecida de longa data. Lá vem assunto, pensei. A Ana não é de conversas inocentes — quando aparece, é porque quer algo. Não me enganei: precisava que eu falasse com o Mário, dono de uma empresa de informática, para ver se arranjava um emprego ao seu filho João, 23 anos, recém-formado e, segundo ela, “cheio de potencial” (o que, traduzido de mãe para português, quer dizer “passa os dias no sofá a atualizar o Instagram e a esperar que o destino lhe bata à porta com um contrato de trabalho”). 

Respirei fundo. Há mães que criam os filhos, e há mães que os incubam até à reforma. A Ana pertence, sem dúvida, à segunda categoria. É o tipo de mãe que têm o coração ligado por Wi-Fi — e o radar sempre em alta definição. Sabem quando o filho suspirou mais fundo, quando a voz ficou diferente, quando a selfie no Instagram denunciou um ligeiro abatimento. E quando o filho diz “estou bem”, elas já estão a telefonar para a tia, a prima e a vizinha para descobrir o que realmente se passa.

Agora, com o desemprego jovem em alta e a ansiedade em modo crónico, surgiu uma nova espécie no nosso ecossistema afetivo: a mãe-recrutadora. Não é gerente de RH, mas comporta-se como se fosse. Tem o currículo do filho sempre atualizado, os contatos certos na agenda, e uma fé inabalável em favores, promessas e “um jeitinho”.

— “O João é muito bom com computadores. Só precisa de uma oportunidade.” Ouço por educação e pergunto-me “Se ele é tão bom, por que és tu que estás à procura de um trabalho para ele?”

É que o amor de certas mães, ás vezes, é tão grande que ocupa o espaço inteiro do crescimento. Querem tanto evitar que o filho tropece, que acabam por lhe segurar o pé. Querem tanto que não sofra, que o poupam até da dor de tentar. E os filhos, espertos, optam por não reclamar. Alguns até agradecem — entre uma “story” no Instagram e uma maratona de séries — por terem uma mãe que resolve tudo. Vivem numa espécie de adolescência prolongada: 23 anos, mas com manual de instruções de 15. Sabem usar vinte aplicações, mas não sabem usar o tempo.  Falam de liberdade, mas esquecem que a liberdade exige o pagamento de faturas no final do mês.

O drama é geracional: as mães aprenderam que o amor é cuidar; os filhos aprenderam que o amor é ser cuidado. E, no meio, o mundo segue impaciente, sem tempo para dependências afetivas ou currículos enviados por terceiros. Mas atenção — não é falta de amor, é excesso de amor mal distribuído. É amor em loop, amor que não sabe quando é hora de dizer: “Agora vai, meu filho. Tropeça, mas vai.”

Porque a força de um filho mede-se pela coragem de enfrentar o que a mãe não pode resolver por ele. E a grandeza de uma mãe está em saber quando deixar que ele tente — e falhe, se for preciso — para que descubra o próprio jeito de se levantar. Talvez o segredo esteja em atualizar o software maternal: mães com menos notificações, filhos com mais iniciativa. Amor com menos Wi-Fi e mais caminhada a solo.

No fim, o verdadeiro orgulho de uma mãe não é ver o filho bem vestido e empregado por favor de um amigo — é vê-lo chegar lá sozinho, com o coração cheio de gratidão e a certeza de que, mesmo sem ela ao lado, o sinal continua forte.

 

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