Por: Maria Madalena de Jesus
Segunda-feira, logo pela manhã. Vou ao banco e encontro a Dona Filomena na fila com a senha nº 29. No painel: nº 009. As cadeiras, todas ocupadas. O ar condicionado, no seu máximo. E no ar, aquele perfume inconfundível de “isto vai demorar”.
De repente, a porta abre e entram dois tipos engravatados, andar de pavão, sorriso de quem nunca esperou numa fila na vida. Não pegaram senha, não olharam para ninguém. Foram diretos ao balcão, como quem vai visitar a tia. A moça no balcão fingiu estar desatenta.
Dona Filomena, comodamente sentada, não resistiu:
— Então, quando é que tiraram a senha? Ontem?
O mais alto, de voz grave, respondeu:
— Tirar senha? Que senha? Nós? Dona, nós abrimos portas. Deixe-me apresentar: eu sou o Nepotismo e este aqui é o Amiguismo.
A sala ficou em silêncio. Olhares curiosos, aquele burburinho contido de quem reconhece as caras.
Dona Filomena arregalou os olhos:
— Mas que honra! Logo vocês, tão citados nas conversas de esquina, tão admirados nas mesas de café… e tão difíceis de demitir.
O Amiguismo tentou rir, mas saiu meio amarelo:
— Olhe que nós fazemos o sistema andar.
— Andar? — interrompeu Dona Filomena. — Desculpem, mas vocês fazem o sistema andar como uma carroça puxada por burros cansados: devagar, aos solavancos e sempre na mesma direção — para casa dos amigos.
O Nepotismo tentou mudar de assunto:
— Aqui é tudo por confiança, Dona.
— Confiança? — sorriu. — Claro… confiança no DNA e no grupo do WhatsApp da família.
As pessoas na fila começaram a rir. Uma senhora atrás de mim disse baixinho: “Vai, Filomena!” — e a Dona Filomena foi, com mais força:
— Sabem qual é o problema? Num país pequeno como o nosso, vocês são como erva daninha: ocupam todo o espaço, matam o que poderia crescer… e ainda recebem água e adubo do próprio Estado.
Todos já riam alto.
O painel piscou: “Senha 020, balcão 2”.
Nepotismo e Amiguismo, com o assunto resolvido, retomaram o caminho da porta, empinados, mas sem graça. Ao passarem pela Dona Filomena, ela murmurou:
— Aproveitem, rapazes, enquanto podem. Esta fila é longa… mas a paciência do povo é mais curta do que pensam.
E foi assim que, num dia normal de repartição, matei alegremente o tempo à espera de ser atendida.
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