Segunda-feira, 28 Abril 2025

Encostada à coluna

Autocensura

Por: Maria Madalena de Jesus 

Não, não, não! Vou causar problemas com certeza. Posso ofender alguém…. melhor deixar para lá!

Isso é muito controverso. Não quero ser conhecida como uma pessoa problemática.

Será que sou muito dura? Vão me chamar de estressada! É melhor não confrontar, nem tocar no assunto!

Autocensura, sentada ao meu lado, falava para si mesma sem se aperceber da minha presença. Suspirava, sentindo o peso das suas próprias palavras.  Repreendia-se e voltava a falar consigo mesma: “Não sejas tola. És importante, sem ti continuarão a fazer erros, a criar a desordem, a não respeitarem ninguém. Ao ficares muda estás a entravar o desenvolvimento! A esfera pública será menos informada e menos capaz de tomar decisões mais adequadas! Estarás a contribuir para ocultação de abusos de poder, alastramento da corrupção e outras irregularidades. Será mais difícil responsabilizarmos autoridades e instituições e as universidades não serão estimuladas a serem centros de produção de pensamento crítico e inovação.”

Com um olhar cinzento, perdido no horizonte, continuava a ouvir o seu pensamento irrequieto: “Deves falar e escrever sobre a falsa democracia, criticar uma agenda política que não é nossa mas sim das grandes instituições internacionais, da inadequação e fragilidade do nosso sistema de educação, do exercício do poder e do micro poder, da insegurança, da corrupção, dos escândalos sociais e políticos que são esquecidos ou abafados, do populismo, da polarização e da desinformação e fake news, do (des)funcionamento e atrasos da justiça, da falta de concertação política e administrativa, da comunicação social pública instrumentalizada, dos bancos que nos mantêm reféns das suas políticas financeiras, da voz em surdina, da sociedade civil, da frivolidade dos influencers, do silêncio dos académicos e universitários, da incivilidade em tudo, do racismo, da inexistência de um debate público de assuntos importantes para o país, dos que apenas sentem coragem para falar nas suas redes sociais, das vozes dos grupos minoritários ou marginalizados que não se ouvem, das fundações e associações que são criadas e que não cumprem o seu papel, das empresas que não respeitam os trabalhadores e dos trabalhadores que não respeitam as empresas, do complexo de escravo, da burocracia que emperra a nossa administração pública apesar de tantos investimentos feitos com o dinheiro dos contribuintes em plataformas tecnológicas, do consumo exagerado de bebidas alcoólicas, do número expressivo de jovens que se suicidam, enfim… não podes temer! Fala! Escreve! Estarás a contribuir para um país melhor”.

 

– Oh pensamento idiota! Larga-me da mão! Autocensura estava visivelmente cansada e podíamos sentir milhares de dúvidas a fervilharem na sua cabeça: será que faço bem? Será que ao dar vazão a essa vontade de falar e escrever, estou realmente contribuindo para o desenvolvimento do meu país ou estou apenas a exagerar?  Tornar-me-ei em uma pessoa non grata? O meu chefe não sentirá mais confiança em mim? Vão dificultar o empréstimo bancário que eu pedi? Meus filhos vão ser perseguidos? Vão me tirar da lista de passageiros? Talvez eu devesse ser mais flexível… “

Autocensura estava seguramente numa séria batalha consigo mesma, pela forma como se contorcia nesse banco da praça. Finalmente voltou a cara e olhou para mim:

– Maria Madalena de Jesus! Estás aí? Há quanto tempo? Não te vi! Desculpa-me!

– Não te preocupes Autocensura. Estou habituada: ou me vêm ou não me vêm!

– Não sei o que fazer! Estou a lutar com a minha consciência que teima em me instigar a não me calar, mas receio que me esteja a dar maus conselhos! Busco encontrar um equilíbrio que me parece impossível: proteger-me e proteger os meus ou ser uma cidadã consciente dos meus deveres para o desenvolvimento da nossa sociedade e falar abertamente, sem medo, sem apreensão. Tu que já andaste por tantos mundos, o que me aconselhas?

Olhei longa e fixamente para Censura. Apercebi-me que ela não tinha ainda entendido que era, ao mesmo tempo, a carcereira e a prisioneira de si mesma. Não soube o que lhe dizer!

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