Editorial de Maria Graça
Editorial de Maria Graça – Diretora Geral
Acaba de ser anunciado: Cabo Verde caiu quatro lugares no Índice de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas. Um sinal de alerta que não pode ser relativizado, sobretudo num país arquipelágico, pequeno e vulnerável, onde fragilidades estruturais — como o acesso desigual à saúde, à educação e às oportunidades — continuam a comprometer o futuro de milhares de cabo-verdianos.
A situação torna-se ainda mais grave perante o êxodo crescente de jovens para o exterior, em busca de oportunidades que o país não está a conseguir garantir. Cabo Verde tem uma população marcadamente jovem — mais de 44% dos habitantes tem menos de 25 anos —, o que deveria ser encarado como uma vantagem estratégica.
No entanto, em vez de políticas robustas para reter, capacitar e mobilizar essa juventude, há quem defenda o recurso a mão-de-obra estrangeira para colmatar a saída dos nacionais. Isso não é estratégia. É rendição.
Internamente, o fraco desempenho profissional em diversos setores está a comprometer seriamente o funcionamento das empresas, a penalizar a competitividade do tecido económico e a travar iniciativas com grande potencial de impacto.
Multiplicam-se as queixas de empregadores quanto à falta de compromisso, à baixa produtividade e ao insuficiente nível de preparação técnica dos recursos humanos. O problema não reside apenas na formação, mas na ausência de políticas consistentes de valorização, exigência e responsabilização.
O desenvolvimento humano não é um conceito abstrato, nem uma métrica fria de relatórios internacionais. É, antes de tudo, uma realidade concreta, sentida no corpo e na vida das pessoas. Traduz-se na esperança de vida que se alonga com acesso a cuidados de saúde dignos; na aprendizagem que abre horizontes e forma cidadãos
críticos; na possibilidade real de gerar rendimento de forma estável, justa e sustentável. Significa ter oportunidades para crescer, contribuir e escolher.
Trata-se, acima de tudo, de colocar o ser humano no centro da política pública — não como figura de retórica, mas como prioridade real. Nenhuma nação prospera quando os seus cidadãos não conseguem viver com dignidade, sonhar com o futuro e confiar nas instituições que os governam. O verdadeiro progresso mede-se pelo bem-estar das pessoas, e não pelo brilho das infraestruturas ou pelas cifras do PIB.
A inovação tecnológica é bem-vinda. Mas não pode, por si só, substituir o compromisso com a justiça social, com a equidade territorial e com a dignidade humana. Os investimentos em tecnologia só produzirão frutos se forem acompanhados por políticas integradas de valorização do capital humano — nas ilhas maiores e nas mais pequenas, nas cidades e nos campos.
Hoje, assiste-se a um paradoxo cruel: nunca se viu tanta gente a procurar comida nos contentores do lixo como agora. E, ao mesmo tempo, há ilhas com enorme potencial agrícola, pesqueiro e industrial completamente desaproveitado. Esse contraste é, por si só, o retrato de um modelo de desenvolvimento que precisa ser urgentemente repensado.
Desenvolvimento que não reduz a pobreza, que não emancipa, que não educa, que não fixa a juventude nem qualifica a força de trabalho, não é desenvolvimento. É miragem.
Cabo Verde tem inteligência, resiliência e talento. Falta, talvez, um reencontro com o essencial: o ser humano como fim último de toda a estratégia nacional.
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