Nas últimas semanas, recebemos com grande expectativa o anúncio de novas rotas e companhias a operar em Cabo Verde. A Transportadora Aérea Cabo-verdiana (TACV) retoma a ligação São Vicente–Lisboa com duas frequências semanais; a Edelweiss, membro do Grupo Lufthansa, passará a operar, na próxima temporada de inverno, voos a partir de Zurique para os aeroportos da Praia e de São Vicente; e a perspetiva de uma concorrência crescente com companhias low-cost reacende uma antiga esperança: a de ver os preços das passagens aéreas baixar, tornando as viagens internacionais mais acessíveis à população e à diáspora.
São boas notícias. Mas não podemos deixar de olhar para além das manchetes. Enquanto as portas se abrem lá fora, as ligações entre as ilhas continuam frágeis, caras e imprevisíveis. A disparidade entre a ambição externa e a fragilidade interna é real e concreta.
Voar mais alto é possível — e esse voo precisa de incluir todos. Não apenas quem embarca em Lisboa, Zurique ou Paris, mas também quem, por razões familiares, profissionais ou de lazer, precisa de viajar entre Praia e Fogo, entre São Nicolau e Boa Vista, entre Maio e Santiago — ou de qualquer ilha para outra, sempre que necessitar.
Não podemos viver divididos entre um “Cabo Verde internacional”, com conexões modernas e competitivas, e um “Cabo Verde insular” entregue a cancelamentos e atrasos. É preciso um investimento sério na aviação doméstica: reforço da frota, incentivos à entrada de novos operadores, soluções criativas como o modelo de “air taxi” para rotas menos lucrativas, e compromissos firmes de qualidade por parte de quem recebe apoio do Estado.
A TACV, empresa pública renascida após turbulências operacionais e políticas, continua a depender fortemente de garantias do Estado, como o recente aval de 5,2 milhões de dólares para cobrir o leasing de uma aeronave. Até que ponto este modelo é sustentável? Que compromissos a empresa deve assumir em troca da confiança pública renovada? Transparência, regularidade nas rotas internas e uma política de tarifas mais inclusiva precisam de estar no centro da sua missão.
O desafio persiste em garantir que o crescimento da conectividade aérea se traduza numa verdadeira inclusão territorial do arquipélago, com preços justos, serviços confiáveis e acessíveis, que sirvam todas as ilhas — e não apenas as mais turísticas ou economicamente rentáveis. Este desiderato não deveria ser visto como um apêndice da política de transportes, mas sim como uma prioridade central da estratégia de desenvolvimento do país. Não podemos esquecer que o direito à mobilidade e à circulação constitui também um direito constitucional, cuja efetivação deve ser assegurada pelo Estado.
Por outro lado, a chegada de operadores internacionais deve ser saudada com exigência. A concorrência é bem-vinda, mas é necessário um regulador vigilante, que assegure condições equitativas e defenda os interesses nacionais — incluindo os direitos dos passageiros, a preservação ambiental e o equilíbrio entre turismo e qualidade de vida local.
Cabo Verde precisa de um voo que nos leve mais longe sem deixar para trás nenhuma ilha. Um voo em que o Estado, os operadores e a sociedade civil atuem em coordenação, com visão, responsabilidade e ambição. O país pode — e deve — ser uma referência de mobilidade insular inteligente, verde e inclusiva.
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