O Presidente da Câmara optou por fechar portas à autoridade judicial, alegando razões de segurança. Num país como Cabo Verde — estável, pacífico, sem histórico de confrontos institucionais violentos e onde diligências semelhantes sempre ocorreram com normalidade — esse argumento levanta legítimas interrogações.
Mandados de busca não constituem operações de repressão nem colocam trabalhadores em risco. Pelo contrário, são atos controlados, acompanhados por magistrados e regidos por regras estritas de proporcionalidade. Bloquear acessos não é uma medida de segurança. É um gesto de resistência institucional. Se existisse risco real, a resposta adequada teria sido a cooperação, a coordenação e a garantia de condições normais de funcionamento — nunca o encerramento simbólico de um edifício público perante a justiça.
Este gesto adquire maior gravidade quando praticado por alguém que manifesta ambições nacionais e vai se apresentar, nas próximas eleições legislativas, como candidato a Primeiro-Ministro. Tenho para mim que quem aspira a liderar o Governo de um país deve demonstrar, antes de tudo, respeito inequívoco pela separação de poderes. A chefia de qualquer Executivo exige serenidade perante o escrutínio, não confronto; exige confiança nas instituições, não dramatização do seu funcionamento regular. Um líder nacional não fecha portas à lei — abre-as com transparência.
Ainda mais inquietante foi a reação que se seguiu. A mobilização popular em solidariedade com o Presidente da Câmara não pode ser lida apenas como apoio político. Ela revela um equívoco profundo na compreensão do que estava em causa. Solidarizar-se com uma pessoa é legítimo. Solidarizar-se com um comportamento que bloqueia a ação da justiça não é.
Quando a sociedade aplaude a exceção em nome da lealdade, enfraquece os próprios princípios que garantem a sua liberdade. A maturidade democrática mede-se precisamente na capacidade de aceitar que a lei alcance todos — sobretudo os que exercem poder. Defender cargos antes de defender regras é sempre um sinal de alerta.
O Presidente da Câmara errou ao fechar portas à justiça. A sociedade erra quando transforma esse erro em causa. Num Estado de Direito, a autoridade política não se mede pela capacidade de resistir à justiça, mas pela forma como a respeita. Quando a lei é tratada como ameaça, algo mais profundo está em causa: a compreensão do próprio poder. A democracia não se protege com portas fechadas nem com aplausos fáceis. Protege-se com regras claras, líderes exemplares e cidadãos conscientes de que a justiça, quando atua, não enfraquece o país — fortalece-o.