Sábado, 09 Agosto 2025

Em tom de opinião

Maria Graça: Fogo–Brava. Regionalizar para Incluir

O mar é a nossa grande autoestrada, e pelos portos passa a nossa vida. Para a Brava, a ilha mais pequena e sem aeroporto de Cabo Verde, o Porto da Furna não é apenas um ponto geográfico: é a porta de entrada para bens, serviços, cuidados de saúde, educação, oportunidades e desenvolvimento. Mesmo em frente, no Fogo, o Vale dos Cavaleiros é o nó que mantém viva esta relação. Entre as duas ilhas, o mar é um corredor social e económico que não pode deve ser refém de avarias, improvisos e agendas desconexas.

Falo com a consciência de quem viveu e trabalhou três anos e meio no Fogo. Essa experiência moldou de forma profunda a minha visão sobre o desenvolvimento do país. Percebi que, apesar do enorme potencial económico, cultural e turístico do Fogo e da Brava — e de tantas outras ilhas —, Cabo Verde ainda não possui uma estratégia de desenvolvimento robusta, integrada e territorialmente justa, capaz de transformar esse potencial em oportunidades concretas e sustentáveis.

Por essa razão incomoda-me ouvir falar em “ilhas periféricas”. “Periférica” significa, na prática, distância no acesso a serviços de saúde especializados, ensino superior, oportunidades de emprego, transporte regular, investimento público e privado e até influência política. 

Num arquipélago de reduzida dimensão geográfica e com uma população inferior à de muitas cidades médias do mundo, essa classificação soa não apenas absurda, mas ofensiva. Periférica, para quem? Estamos a falar de ilhas habitadas por cidadãos com iguais direitos constitucionais, que contam — e muito — na hora de votar, mas que, fora dos períodos eleitorais, veem as suas necessidades sistematicamente remetidas para segundo plano.

A recente proposta das câmaras municipais de São Filipe, Mosteiros, Santa Catarina e Brava para criar uma empresa intermunicipal de transporte marítimo. Mais do que um gesto político, é uma afirmação de autonomia e responsabilidade sobre um serviço vital, que, na lógica nacional, tem ficado aquém das expectativas. Um modelo regional pode ser a chave para horários mais adequados, maior regularidade e um serviço verdadeiramente alinhado com as necessidades locais. Mas temos que ter atenção porque regionalizar não pode ser sinónimo de improvisar. Uma eventual empresa deve atuar em estreita colaboração com a concessionária nacional, alinhando estratégias e recursos para melhor servir as populações. É imperativo estabelecer regras claras, contratos de serviço com metas objetivas — frequência mínima, tempo máximo de interrupção, planos de contingência — e mecanismos de financiamento e compensação bem definidos.

Ter um transporte marítimo de excelência vai muito mais além de se ter navios. Investimentos específicos e urgentes são necessários: abrigos condignos e confortáveis para passageiros, sistemas de bilhética modernos, condições adequadas para carga refrigerada. Sem melhorias estratégicas, qualquer promessa de regularidade continuará vulnerável ao imprevisto. A previsibilidade só se alcança com operação profissional, infraestrutura resiliente e redundância: um navio de reserva, manutenção planeada e comunicação transparente com os cidadãos.

A Constituição de Cabo Verde consagra o direito à mobilidade. Para quem vive na Brava, esse direito só se cumpre se as ligações Fogo–Brava forem tratadas como um verdadeiro serviço público essencial, com padrões mínimos garantidos e obrigação de cobertura regular. Trata-se de assegurar coesão territorial, inclusão social e igualdade de oportunidades e não meramente transportar passageiros e mercadorias.

Até lá, continuaremos a assistir a uma juventude que parte, desmotivada pela falta de perspetivas, e a empresários que hesitam em investir, receando a ausência de mercado seguro, transporte regular e apoio institucional consistente. É um círculo vicioso que só se quebra com infraestruturas confiáveis, políticas de incentivo e uma visão de longo prazo. Se houver condições, os jovens ficarão, os empresários arriscarão, e o potencial destas ilhas deixará de ser promessa para se tornar realidade.

O nosso destino é comum pelo que não pode haver nem centro nem margem. É preciso fazê-lo acontecer, ilha a ilha, sem deixar nenhuma para trás.

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