As startups tornaram-se uma das bandeiras da política de desenvolvimento de Cabo Verde. Existem hoje mais de 50 registadas, sobretudo nas áreas digitais, apoiadas por programas públicos, financiamentos internacionais, centros de incubação, formações e pitchs inspiradores. Algumas fazem um trabalho notável: transformam redes de pesca em arte e sustento, apostam na reciclagem e em embalagens agrícolas, ou promovem o turismo local de forma inovadora.
Sim, o mundo está cada vez mais digital. Ignorar isso seria negar a realidade do século XXI. Mas se a grande aposta for no digital e nos esquecermos das pessoas, das comunidades e das infraestruturas básicas, esse digital não terá onde se enraizar. Não terá a quem servir. Não vincará. De que vale sermos o segundo melhor ecossistema de startups da África Ocidental, se em São Nicolau ou no Fogo um agricultor não consegue escoar os seus produtos por falta de ligações marítimas e aéreas regulares? Se vamos à Brava por três dias e corremos o risco de ficar lá presos um mês, por ausência de transporte? Se muitos pescadores ainda lidam com carências tão elementares como o acesso ao gelo para conservar o pescado ou um cais digno?
Acredito que, mais do que promovermos qualquer ideia digital envolta em discursos de marketing poderosos — muitas vezes respondendo a agendas internacionais —, Cabo Verde precisa de refletir seriamente sobre o tipo de startups que realmente necessita. Precisamos de startups que respondam aos desafios concretos das ilhas. Startups que melhorem a mobilidade interilhas com soluções de partilha de transporte marítimo, bilhética integrada e gestão inteligente de rotas. Startups dedicadas às pescas, com tecnologias de conservação do pescado, rastreabilidade, e plataformas digitais que liguem diretamente os pescadores aos mercados. Startups que levem tecnologia ao campo: irrigação inteligente, aplicações para previsão climática, acesso facilitado a microcrédito rural.
Precisamos de startups que atuem em parceria com os setores produtivos, e não à margem deles. Startups que fixem os jovens no país, oferecendo-lhes mais do que um laptop: oferecendo-lhes propósito, renda e futuro. O país beneficiará também de soluções na área da transformação alimentar, com microindústrias de secagem, conserva e embalamento de produtos locais. Na educação, há espaço para plataformas de ensino profissional online, certificações modulares e formação prática ajustada às realidades do mercado nacional. Na saúde, podem surgir startups de telemedicina, gestão remota de consultas e rastreio comunitário de doenças.
Não menos importantes são as startups que levem energia solar, purificação de água e sensores de monitorização a zonas isoladas. E, claro, startups que valorizem o turismo comunitário, com plataformas de reservas, narração de histórias locais e distribuição justa dos rendimentos turísticos. Porque a inovação verdadeira não é a que imita modelos externos, mas a que resolve problemas locais que impactam positivamente as populações. É preciso investir onde o impacto é maior, mais urgente e mais justo.
Eu tenho um sonho. E esse sonho começa com uma escolha: a de fazer do essencial o nosso verdadeiro ponto de partida.
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