Sexta-feira, 12 Dezembro 2025

Em tom de opinião

Maria Graça: A virtude da paciência

A paciência é, reconhecidamente, uma das maiores virtudes do povo cabo-verdiano. Foi ela que permitiu atravessar décadas de escassez, gerir a distância imposta pela emigração e manter a coesão social, mesmo quando as circunstâncias não convidavam ao otimismo. A paciência tornou-se quase um traço identitário, frequentemente celebrado como sinal de maturidade coletiva e prova de estabilidade política. Talvez por isso, à medida que nos aproximamos de 2026, a paciência volte a ser discretamente convocada. Pede-se paciência à juventude — jovem demais para desistir, madura o suficiente para esperar. Pede-se paciência às famílias, convidadas a compreender que o custo de vida é um fenómeno global, mesmo quando o rendimento continua firmemente local. Pede-se paciência aos trabalhadores, tranquilizados pela ideia de que a melhoria está sempre prevista para a próxima fase, o próximo programa, o próximo ciclo.

Entretanto, as oportunidades seguem um percurso tão estável quanto previsível. Não se perdem, não se evaporam, apenas circulam com notável disciplina pelos mesmos setores, territórios e redes. São oportunidades resilientes, que resistem à rotatividade e reconhecem com facilidade quem já lhes é familiar. Para os restantes, fica a aprendizagem precoce de uma virtude essencial: saber esperar sem fazer demasiado ruído.

É neste contexto que o conhecido “tem tempo” se revela um instrumento de gestão particularmente eficaz. O “tem tempo” tem a vantagem de não negar problemas nem prometer ruturas. Funciona como uma almofada social: absorve a inquietação, dilui a urgência e transforma a expectativa em hábito. Não entusiasma, mas tranquiliza. Afinal, quando tudo “tem tempo”, raramente alguém é chamado a explicar por que razão nada chega verdadeiramente a acontecer.

Importa reconhecer que o país funciona. As instituições mantêm-se, os calendários cumprem-se, os discursos são equilibrados e a estabilidade permanece intacta. Tudo avança, ainda que com passos contidos, cuidadosamente calculados para não perturbar o equilíbrio existente. Talvez seja essa eficiência serena que torne mais difícil perceber quando a paciência deixa de ser virtude e começa a ser estratégia — não de superação, mas de adiamento.

Chegados a 2026, o dilema nacional não será escolher entre desordem e estabilidade. Essa escolha foi feita há muito tempo. A questão, mais subtil, será saber se a paciência continuará a ser apresentada como resposta suficiente a uma sociedade que, sem levantar demasiado a voz, começa a pedir outras coisas: mais horizonte para os jovens, mais previsibilidade para quem vive do trabalho, mais abertura num sistema onde a concentração de oportunidades se tornou quase um dado natural.

Nada disto parece urgente. Não há alarmes, não há colapsos, não há dramatismos. Talvez porque a ausência de urgência seja, ela própria, o maior sinal de que o essencial tem sido sistematicamente adiado. Os países raramente se perdem por excesso de conflito. Perdem-se, muitas vezes, por excesso de conforto institucional, quando a calma se instala como substituta da decisão.

A paciência continuará, sem dúvida, a ser uma virtude. A questão é saber se, em 2026, ela será ainda uma escolha consciente — ou apenas um hábito bem ensaiado.

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