Terça-feira, 23 Setembro 2025

Em tom de opinião

Maria Graça: Energia em Cabo Verde. Reformas, Desafios e o Caminho a seguir

A energia elétrica é um dos pilares do desenvolvimento. Sem ela, não há escolas modernas, hospitais funcionais, empresas competitivas ou qualidade de vida para as famílias. Cabo Verde, que se orgulha da sua estabilidade democrática e da ambição de se modernizar, tem feito reformas sucessivas no setor elétrico, mas ainda está longe de garantir um serviço à altura das necessidades do país.

Nos últimos anos, a antiga Electra — que durante décadas concentrou as funções de produção, transporte e distribuição — deu lugar a três novas entidades: a EPEC, dedicada à produção térmica de eletricidade; a EDEC, encarregue da distribuição e comercialização, que hoje aparece nas faturas dos consumidores; e a ONSEC, operador nacional do sistema, responsável pela gestão da rede de transporte e pela estabilidade do sistema. Esta reestruturação foi apresentada como um passo decisivo para a modernização: maior transparência, separação de responsabilidades e abertura ao investimento privado. A meta anunciada é clara: privatizar parte da EPEC e da EDEC, atrair parceiros estratégicos, reforçar a capacidade de produção e, sobretudo, dar mais confiança ao sistema. No entanto, a experiência dos últimos meses mostra que a população ainda não colheu os frutos dessa mudança. Apagões frequentes em Santiago e no Maio, geradores avariados que aguardam peças do exterior, e custos elevados que colocam Cabo Verde entre os países da África Subsariana com eletricidade mais cara são sinais de que, apesar das reformas institucionais, a realidade permanece difícil.

Não estamos perante uma simples falha técnica. O que se evidencia é a ausência de planeamento consistente, a fragilidade da capacidade de gestão e, sobretudo, a falta de compromisso em transformar reformas em resultados. De pouco serve reformar empresas e mudar nomes nas faturas se, na prática, as famílias continuam a ver os seus alimentos estragarem nos congeladores, se as pequenas empresas são obrigadas a paralisar atividades e perder clientes, ou se os estudantes veem interrompido o tempo que deveria ser dedicado ao estudo e ao futuro.

O impacto ultrapassa a questão energética: é social, porque afeta diretamente a qualidade de vida das pessoas; é económico, porque trava a produtividade e desmotiva o investimento; e é cultural, porque limita o acesso à informação, ao lazer e ao conhecimento. Em suma, a crise energética mina as bases do desenvolvimento e compromete a confiança da população no rumo do país.

É necessário dar um salto qualitativo. Isso implica:

  1. Reforçar a manutenção preventiva e corretiva — os equipamentos não podem ficar parados semanas à espera de peças. Um plano robusto de logística e reposição é fundamental.
  2. Investir com seriedade em energias renováveis — Cabo Verde tem sol e vento abundantes. A diversificação da matriz energética é o caminho mais seguro para reduzir custos, ganhar autonomia e proteger o ambiente.
  3. Garantir transparência e responsabilização — consumidores e empresas precisam de saber quem responde pelo quê e como se resolvem as falhas. A comunicação clara é essencial para recuperar a confiança.
  4. Criar mecanismos de participação social — associações de consumidores, municípios e comunidades devem ter voz ativa na fiscalização e nas propostas de melhoria.
  5. Atrair investimento sem perder o interesse público — a privatização deve ser conduzida com equilíbrio, para não transformar um serviço essencial em mero negócio, mas sim em parceria que traga benefícios reais à população.

Se estas medidas não forem assumidas com clareza e firmeza, corremos o risco de regredir: mais reformas no papel, mais mudanças de siglas, mas sem luz estável nas casas. O futuro energético de Cabo Verde não pode ficar preso a remendos, nem a soluções provisórias. O desafio é grande, mas também é uma oportunidade: colocar o país na linha da frente da transição energética em África, transformando sol e vento em motores de desenvolvimento. Isso exige liderança, visão de longo prazo e compromisso absoluto com o bem-estar dos cidadãos.

Mais do que nunca, é tempo de transformar reformas em resultados. A energia elétrica não é apenas uma mercadoria: é a base da dignidade, da modernidade e da esperança. Cabo Verde merece um setor energético que ilumine não só as suas cidades, mas também o futuro das suas gerações.

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