Terça-feira, 05 Agosto 2025

Em tom de opinião

Maria Graça: Entre Remessas, Resistência e Rumo

As remessas da diáspora cabo-verdiana ultrapassaram, em 2024, os 30 mil milhões de escudos — um valor histórico que atesta, mais uma vez, a solidez dos laços familiares que, mesmo à distância, continuam a sustentar o país. Representando cerca de 12% do PIB, esse fluxo financeiro regular é um dos principais pilares da economia nacional. No entanto, Cabo Verde ancora-se sobretudo nos serviços — com destaque para o turismo, o comércio e os transportes — setores altamente expostos a choques externos. É legítimo, pois, e necessário, perguntar: poderá o futuro do país continuar dependente de apoios externos e fluxos instáveis?

Para garantir dignidade e estabilidade às famílias, não basta sobreviver com transferências; é preciso construir um país que ofereça oportunidades, retenha talentos e valorize quem cá vive e quer prosperar.

É precisamente neste ponto que se impõe um debate nacional sobre o modelo de desenvolvimento que Cabo Verde precisa. Cresce, entre os jovens, a perceção de que o país pouco tem a oferecer, e que o futuro está sempre “lá fora”. Esta ideia, enraizada num sentimento de frustração e desmobilização, precisa de ser combatida com políticas públicas estruturantes — e não apenas com retórica de ocasião.

É, por isso, um imperativo nacional ouvir os jovens. Conhecer as suas inquietações, as suas aspirações e, sobretudo, as suas ideias para o país. Mas não basta escutá-los de forma simbólica; é necessário envolvê-los de forma efetiva nos espaços de decisão, na conceção de políticas e na gestão dos destinos do país. O futuro constrói-se com a juventude, e não apesar dela.

Da mesma forma, torna-se essencial reconfigurar a relação com a nossa diáspora. Para além das remessas — valiosas, sim, mas insuficientes — é hora de canalizar o imenso potencial transformador que reside no capital humano disperso pelo mundo. Cabo Verde dispõe já de alguns mecanismos para promover a transferência de tecnicidade, conhecimento e redes de inovação, mas é necessário reforçá-los e torná-los mais estratégicos: alargar programas de retorno voluntário, aprofundar colaborações com instituições de ensino superior, e fomentar parcerias científicas, tecnológicas e empresariais que integrem a diáspora como protagonista ativa do desenvolvimento nacional.

O saber acumulado pelos cabo-verdianos no exterior é um recurso estratégico. É chegada a hora de ativá-lo — com visão, vontade política e instrumentos concretos — ao serviço de um projeto de desenvolvimento verdadeiramente sustentável, autónomo e inclusivo.

Nas águas que nos cercam, o país também dá sinais de inteligência e esperança. A descoberta recente de uma nova espécie de enguia — a Mystriophis caboverdensis — lembra-nos o quanto o nosso mar é ainda desconhecido, e por isso mesmo precioso. Esse esforço de conhecimento junta-se ao trabalho exemplar de organizações como o Projeto Vitó, que atua no Fogo, Brava, Santiago e Ilhéus do Rombo, e da Biosfera, no Barlavento. Ambas desenvolvem ações de conservação da biodiversidade marinha, e envolvimento das comunidades locais na vigilância dos ecossistemas. O mar, quando bem cuidado, devolve riqueza, dignidade e futuro.

Também o turismo nos oferece sinais positivos, com a escolha de Cabo Verde para acolher as celebrações do Dia Mundial do Turismo em 2027. Mas para além do prestígio, impõe-se um olhar crítico e responsável. O setor enfrenta desafios estruturais urgentes: a escassez de mão-de-obra jovem e motivada, transportes inter-ilhas deficitários, e a ausência de infraestruturas básicas como centros de convenções ou salas para grandes espetáculos. Na ilha do Maio, por exemplo, empresários do turismo falam em fechar portas por falta de ligações regulares e fiáveis com outras ilhas. Sem transporte, não há mobilidade; sem mobilidade, não há turismo.

Cabo Verde precisa de um plano ambicioso para o seu turismo: sustentável, integrado, com investimento real em infraestrutura, cultura e capacitação profissional. Precisamos de criar as condições para acolher grandes eventos, festivais internacionais, congressos africanos. A nossa localização estratégica no Atlântico deveria ser uma vantagem, não uma nota de rodapé.

Este é o momento de transição entre um país que resiste e um país que se afirma. As remessas continuarão a ser bem-vindas, mas não podem ser a âncora do futuro. É preciso transformar reconhecimento internacional em políticas nacionais, e a força da sociedade civil em reformas públicas. O talento está cá. A criatividade está cá. A vontade de fazer melhor também. Falta apenas o essencial: uma liderança capaz de abraçar uma visão mais alargada para o país, com coragem para inovar de forma responsável e um compromisso firme, generoso e contínuo com as gerações vindouras.

Cabo Verde pode mais. Mas esse mais exige que saibamos investir com sentido, cuidar com rigor e planear com ambição. É tempo de deixar de sobreviver — e começar a construir o futuro.

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