A III Conferência Internacional de Turismo Rural e de Natureza, realizada este mês, em São Lourenço dos Órgãos, serviu de palco para a divulgação do Projeto Terras Vivas, uma ambiciosa iniciativa de turismo sustentável desenvolvida na ilha de Santo Antão. Em conversa exclusiva com o Voz do Arquipélago, Aguinaldo David, diretor executivo da Associação dos Amigos da Natureza (AAN), apresentou os detalhes desta proposta inovadora que promete transformar as áreas protegidas da ilha.
O Projeto Terras Vivas tem como objetivo promover um turismo amigo do ambiente, mas também com impacto positivo na vida das comunidades que habitam essas áreas protegidas. Com quatro anos de duração – estando já em implementação há um ano –, representa uma abordagem inovadora para conciliar a conservação ambiental com o desenvolvimento socioeconómico. A singularidade do projeto reside na sua filosofia central: reconhecer que em Cabo Verde “as áreas protegidas são áreas com vida, com pessoas e comunidades, e que é preciso proteger, sim, mas promovendo simultaneamente a dignidade e o rendimento dessas pessoas”, afirma Aguinaldo David.
Três eixos estratégicos
O Terras Vivas estrutura-se em três eixos fundamentais, detalhados pelo diretor executivo da AAN, sendo o primeiro a patrimonialização da agroecossistema, que visa o reconhecimento internacional da agroecossistema única de Santo Antão. “A ideia é levantar e catalogar todos os recursos e conhecimentos associados, preparando uma candidatura à patrimonialização ou reconhecimento a nível mundial”, explica Aguinaldo David. Esta distinção, atribuída pela FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura), poderá elevar Santo Antão ao estatuto de Património Agrícola Globalmente Importante.
O segundo eixo é a capacitação comunitária, que consiste em capacitar as comunidades locais para participarem ativamente na governação dos seus recursos. “Não apenas uma gestão feita pelas entidades públicas, centrais e municipais, mas também uma governação em que a própria comunidade participe”, sublinhou o diretor executivo da AAN. .
Geração de rendimento através do turismo é o terceiro eixo, focado na criação de oportunidades económicas sustentáveis. Segundo Aguinaldo David, “falamos de atividades comunitárias, como parques, parques de campismo, museus etnográficos, mas também de negócios associativos ou familiares, como o alojamento local”.
Parcerias estratégicas e financiamento
O projeto é implementado pela AAN em parceria com a ONG espanhola CERAI (Centro de Estudos Rurais e Agricultura Internacional), com 90% de cofinanciamento da União Europeia e 10% da FAO. Entre os parceiros estão a Associação de Municípios de Santo Antão, o Instituto de Ciências e Tecnologias Agrárias, a ONG portuguesa ACTUAR, a Direção Nacional do Ambiente e o Ministério da Agricultura.
Segundo David, a génese do projeto resulta de uma constatação da União Europeia: “o retorno que as comunidades residentes em áreas protegidas têm por viverem nessas zonas fica aquém das suas expectativas”. Foi neste contexto que surgiu a convocatória Turismo nas Áreas Protegidas, à qual a AAN respondeu com sucesso.
David salienta ainda que a metodologia não é experimental: “Já em 2016 e 2019 implementámos o projeto Rede Turismo Sustentável, inclusive na ilha de São Vicente”. A experiência acumulada pela AAN estende-se também a São Nicolau, Santiago e Fogo, sempre com foco na organização dos produtores e no acesso aos mercados.
O Terras Vivas estabelece metas ambiciosas, mas realistas, diz Aguinaldo David, frisando que o projeto pretende envolver 526 jovens e mulheres (em paridade de género), trabalhar com 14 associações rurais e comunitárias nas três áreas protegidas e beneficiar diretamente 1.020 agregados familiares, correspondendo a cerca de 4.080 habitantes.
Um aspeto crucial destacado por David é o papel das áreas protegidas de Santo Antão na segurança alimentar regional: “As áreas protegidas e os sistemas agrícolas que delas dependem constituem, juntamente com as zonas costeiras e a pesca artesanal, talvez a principal foodshed tanto de Santo Antão como da ilha vizinha de São Vicente”.
Filosofia “Terras Vivas”
O nome do projeto encerra uma filosofia clara, diz Aguinaldo: “O meio rural está a perder gente, está a perder população, daí o nome Terras Vivas – manter essas terras vivas, criar alternativas locais e comunitárias que incentivem as pessoas a permanecerem e não a abandonar o meio rural”.
A presença da AAN como expositor na III Conferência Internacional de Turismo Rural e de Natureza reforçou a visibilidade do projeto, permitindo partilhar experiências e metodologias que poderão ser replicadas noutros contextos similares.
O Terras Vivas assume-se, assim, como um modelo pioneiro de como as áreas protegidas podem ser simultaneamente preservadas e potenciadoras de desenvolvimento local, criando um ciclo virtuoso entre conservação, identidade cultural e prosperidade comunitária.
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