O Instituto Nacional de Estatística (INE) conclui recentemente um inquérito cujo objetivo foi recolher dados para estimar a quantidade de equipamentos elétricos e eletrónicos (EEE) existentes no país, bem como os respetivos resíduos produzidos pelos agregados familiares. Ainda não se sabe o resultado deste inquérito, mas o geólogo ambiental Neemias Gonçalves afirma que, independentemente da quantidade, o descarte é “inadequado”, o que tem um “impacto muito negativo”.
Por: Reni Monteiro
Em Cabo Verde, onde as consequências das alterações climáticas já se fazem sentir de forma acentuada, com temperaturas cada vez mais elevadas, a gestão adequada dos resíduos eletrónicos emerge não apenas como uma questão ambiental, mas como um imperativo para a preservação do futuro sustentável de Cabo Verde.
Os dados recolhidos pelo INE vão permitir uma melhor compreensão dos hábitos da população relativamente ao consumo e descarte de equipamentos elétricos e eletrónicos (EEE), como lâmpadas, telemóveis, computadores, televisores, ventoinhas), o que pode contribuir para a formulação de políticas alinhadas com as melhores práticas internacionais de forma a haver uma gestão ambiental mais eficiente e sustentável em Cabo Verde.
Sistema de gestão ainda incipiente
“Os resíduos eletrónicos e elétricos em Cabo Verde ainda estão num estado muito incipiente”, revelou o geólogo ambiental Neemias Gonçalves. É que a população, frequentemente limitada por constrangimentos económicos, tende a reter equipamentos obsoletos nas suas residências muito além da sua vida útil. “Quando finalmente são descartados, muitos destes aparelhos acabam em lixeiras ou, no caso específico da ilha de Santiago, no aterro sanitário, sem qualquer tratamento especializado”, afirma Gonçalves.
De acordo com dados da Greenpeace, em 2019 Cabo Verde produziu cerca de 2,8 toneladas de resíduos eletrónicos, com uma média de 4,9 kg por habitante. No entanto, o arquipélago não dispõe de um sistema adequado de recolha e tratamento específico para este tipo de lixo.
Impactos ambientais e na saúde pública
O descarte inadequado destes materiais representa uma ameaça significativa para o ecossistema do arquipélago. Os componentes químicos perigosos presentes nos equipamentos eletrónicos contaminam solos e recursos hídricos, além de libertarem dióxido de carbono e metano quando queimados, contribuindo para o agravamento das alterações climáticas.
“É um impacto muito negativo a nível da atmosfera, dos recursos hídricos e dos solos, que é prejudicial para a nossa saúde”, alerta Gonçalves, acrescentando que este fenómeno contribui de uma forma muito destacada para o aumento da temperatura no arquipélago, que já sofre com os efeitos das alterações climáticas.
A biodiversidade marinha também é gravemente afetada, com casos documentados de tartarugas que morrem após ingerirem plásticos ou ficarem presas em materiais descartados incorretamente.
Lacunas na legislação e na fiscalização
Segundo este especialista, apesar de Cabo Verde possuir legislação geral para a gestão de resíduos, através do Decreto-Lei n.º 56/2015 e da Lei n.º 86/IV/93, o país carece de um diploma específico para a reciclagem de resíduos eletrónicos.
“A fiscalização é um elemento fulcral que deve ser implementado com maior rigor”, defende o geólogo ambiental. Outro desafio identificado é a escassez de dados concretos. Embora os serviços de saneamento das câmaras municipais contabilizem o volume global de lixo recolhido, não existe ainda uma discriminação técnica por tipologia de resíduos, dificultando a implementação de políticas eficazes.
Soluções propostas para um futuro sustentável
Entre as principais soluções sustentáveis preconizadas pelo especialista para melhorar a recolha e tratamento destes resíduos destacam-se: a criação de infraestruturas para a transformação, como oficinas ou fábricas de reciclagem, proibição da queima de resíduos e sensibilização da população sobre os seus perigos, formação técnica em reciclagem e reutilização de materiais, redução da importação de produtos eletrónicos de segunda mão, adoção de eletrodomésticos com menor impacto ambiental, e implementação de sistemas de separação adequada na recolha de resíduos.
Neemias Gonçalves defende que a consciencialização das pessoas é o principal desafio a ser superado, a par da criação de infraestruturas adequadas para o tratamento destes materiais.
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