Sábado, 19 Abril 2025

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Bissau quer transformar manga em divisa

A empresa cabo-verdiana EME – Marketing e Eventos foi a vencedora do concurso internacional lançado pela Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (UNIDO) para elaborar o Plano Nacional de Marketing da Manga da Guiné Bissau, cujo objetivo é dotar o país vizinho de diretrizes para desenvolver a cadeia de valor dessa fruta e, por esta via, diversificar a sua economia. Mas, para executar este plano e tornar a manga uma fonte de divisa, defendem produtores e transformadores de manga e entidades privadas e públicas ligadas ao setor, a Guiné-Bissau precisar fazer mudanças estruturais na agricultura e comércio, além de investimentos em infraestruturas e formação.

Por: Teresa Sofia Fortes

A Guiné-Bissau possui uma produção anual de 35 mil toneladas desta fruta, espalhada por uma área de 983 hectares de cultivo, mas cerca de 70% dessa produção é desperdiçada. A parcela aproveitada é comercializada nos mercados locais e em Bissau (63%), as outras partes são destinadas ao autoconsumo (22%) e à exportação (14%). Porém, os dados da Baseline Fileira da Manga (versão preliminar, novembro de 2017) indicam que o contributo da manga para a economia da Guiné-Bissau é ainda ínfimo, sendo de 0.56% para o PIB é de 0.56%, e praticamente nulo para as finanças públicas por se tratar de uma cadeia de valor ainda maioritariamente informal, e ainda menor para as exportações (0.10%).

Para alterar este contexto negativo, em março de 2020, no âmbito do Programa de Competitividade para a África Ocidental (WACOMP), com o apoio da UNIDO e financiamento da União Europeia, o Governo da Guiné Bissau lançou o projeto “Melhorar a competitividade do setor da manga na Guiné-Bissau: produção, transformação local e apoio à exportação”. Para ajudar o país a atingir este objetivo, entre outras medidas, a UNIDO está a apoiar o desenvolvimento de um Plano Nacional de Marketing para a Manga da Guiné-Bissau. 

Maria Graça, sócia cofundadora e administradora da EME – Marketing Eventos, explica que, como consultora da UNIDO, a empresa cabo-verdiana elaborou e entregou à Guiné-Bissau em outubro último um plano que, sendo um documento “estratégico” e “abrangente”, define “as diretrizes e as ações de marketing a serem implementadas a nível nacional e internacional a longo prazo, alinhados com os objetivos e metas no quadro de uma abordagem integrada dos vários componentes de marketing e atores envolvidos na cadeia de valor da manga”.

“Isto significa que nós, com esse plano, estaremos contribuindo para o desenvolvimento da indústria local e também para o crescimento do negócio da manga em três países específicos, entre eles Cabo Verde”, afirma a CEO da EME – Marketing Eventos, que viu o documento aprovado por unanimidade por produtores e transformadores de manga e entidades guineenses ligadas à agricultura e ao comércio aquando da sua apresentação, no dia 29 de outubro de 2024, na capital bissau-guineense, no quadro do Workshop Nacional de Validação do Plano Nacional de Marketing da Manga da Guiné Bissau.

Anseios e receios

Em entrevista ao Voz do Archipelago, Elizabete Punguram, proprietária da empresa transformadora ACC – Imaleve, instalada em Bissau, deu voz aos anseios de todos. “É um plano ambicioso, que dá mais coragem e força para nós que estamos a trabalhar há muito tempo neste setor. Mesmo que leve muitos anos, queremos que este plano de marketing da manga seja implementado”, diz a empresária para quem esse documento orientador vai ajudar a Guiné-Bissau a transformar a “riqueza” dos pomares em “dinheiro líquido”. A transformação tem, entretanto, que acontecer primeiro na mentalidade dos guineenses, opina Elizabete Punguram.

A empresária aceita o facto de que muitos não compram manga porque possuem pequenas plantações desta fruta. O problema, afirma Elizabete Punguram é que “só a consomem durante o período de colheita, de março a junho, e há um grande desperdício porque não conseguem consumir toda a produção. É triste ver as mangas a apodrecerem”.

Mentalidade nova

Daí que “temos que aprender a conservá-la para depois a consumirmos de janeiro a dezembro”, afirma a empresária, que diz ter mudado o seu mindset há cinco anos, quando aderiu à transformação desta fruta com o intuito de abastecer o mercado o ano inteiro com seus derivados. São polpas, sumos (misturados com gengibre, tamarindo, limão, caju) e ainda farinha de manga e manga desidratada.

Mas para Elizabete Punguram não basta aprender a conservar e transformar a manga. É também preciso que os guineenses aprendam a integrar a manga na sua dieta. “A nossa manga é ouro pelo seu valor nutritivo, mas muitos não a compram, embora possam comprar uma ao preço de 25 francos”, diz a empresária, que vem aconselhando os seus conterrâneos a incluir esta fruta na sua alimentação, juntando-a ao arroz, que é o alimento-base dos guineenses, dando preferência à produção nacional.

Para estimular esta preferência, Elizabete Punguram adotou operações de charme, que consiste em proporcionar aos potenciais clientes momentos de degustação dos seus subprodutos da manga, e uma estratégia de comercialização que se divide entre a venda direta aos clientes (entrega em mãos) e a distribuição pelos minimercados de Bissau. Para cativar clientes externos, a empresária vem optando pelas redes sociais.

Apoio governamental

Corca Djaló, 59 anos, produtor de manga na região de Biombo, está igualmente otimista relativamente ao Plano Nacional de Marketing para a Manga da Guiné-Bissau: “É um plano que vai ajudar muito. Tenho esperança que vai ser executado tal como a EME – Marketing e Eventos o concebeu”. Este produtor, que também é vice-presidente da Associação Nacional de Agricultores, admite, contudo, que, para concretizar este plano, a Guiné-Bissau tem que vencer vários obstáculos.

Atualmente, existem no país mais de 14 espécies de manga, nomeadamente o chamado “mango di terra” e a famosa “manga de faca”, mas, embora desejem alargar a variedade de espécies, os produtores não o fazem devido à praga da mosca da fruta, daí que Corca Djaló pede uma intervenção urgente do Governo, através da Direção Geral e do Ministério da Agricultura. Se não vencer esta praga, diz o engenheiro agrónomo, a Guiné-Bissau não conseguirá exportar as suas mangas, nem para os países da sub-região, nomeadamente Cabo Verde, nem para os países da União Europeia ou os Estados Unidos da América.

Antes o país precisa também adotar um novo sistema de transporte e conservação da manga, defende Corca Djaló. “Em estado natural, a manga não tem muita durabilidade, tem que ser vendida no prazo de uma semana. Por isso, o Governo tem que investir em infraestruturas de frio”, afirma o produtor que, embora almeje alargar a sua área de produção e modernizar a sua plantação, mas não o faz porque “os apoios são fracos, dada a situação própria da nossa economia”.

Ademais, “não tenho disponibilidade de terra para produzir em grande escala porque falta terra”, afirma o produtor, para quem o país precisa adotar um sistema mais moderno de venda da produção, já que, neste momento, a fruta é vendida pelos produtores às bideras (vendedeiras) aos montes, não por quilo, por preços que vão dos 250 aos 300 FCFA.

Nelson Lopes: “A EME – Marketing e Eventos foi vencedora com mérito”

“Lançámos um concurso internacional para selecionar uma empresa para conceber o Plano Nacional de Marketing da Manga da Guiné-Bissau, tivemos vários concorrentes e a EME – Marketing e Eventos foi a vencedora com mérito”, afirma Nelson Lopes, Coordenador Nacional da UNIDO na Guiné-Bissau, para quem “o resultado apresentado no dia 29 de outubro de 2024, Workshop Nacional de Validação do Plano Nacional de Marketing da Manga da Guiné Bissau, confirmou que valeu a pena termos realmente recebido a candidatura da EME. O resultado que nos apresentou deixou-nos satisfeitos”.

Com os contributos colhidos durante o workshop e os inputs dados pela Delegação da União Europeia na Guiné-Bissau “o resultado final será um documento muito bem elaborado, estruturado, que realmente ajudará na promoção da manga da Guiné-Bissau. É a primeira vez que o Governo da Guiné-Bissau aposta na elaboração de um plano de marketing de um produto específico, o que, em si, é uma mais-valia para o país e poderá, e de certeza contribuirá de forma considerável na robustez que se perspetiva para a economia da Guiné-Bissau”, afirma Lopes.

Quando o Governo tiver em sua posse a versão final deste plano estratégico, explica o Coordenador Nacional da UNIDO na Guiné-Bissau, terá que “encontrar uma instituição que será âncora de tudo o que foi perspetivado para se poder começar a implementar aquilo que se desenhou no plano de marketing” porque “o propósito é fazer com que este documento seja um instrumento útil para a Guiné-Bissau, que ajudará o país a promover um dos seus produtos estratégicos, a manga, para colocá-la em pé de igualdade com o caju”.

Segundo Nelson Lopes, a EME – Marketing e Eventos apresentou um plano “credível” e “bem estruturado” que ajudará a Guiné-Bissau transformar a manga numa “referência mundial” daqui a 10 a 15 anos. A estratégia, segundo o Coordenador Nacional da UNIDO na Guiné-Bissau, passará por trabalhar com instituições estatais. “Já estamos a trabalhar no phasing out do projeto, porque tem que existir a transferência de competências e dos ganhos até aqui conseguidos pelo projeto para as instituições estatais, não só como também para as várias organizações que trabalham nesta área”, explica Nelson Lopes.

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