Quase 97% das famílias cabo-verdianas consideram impossível poupar dinheiro com a atual situação económica do país, segundo o Inquérito de Conjuntura nas Famílias do terceiro trimestre de 2025, divulgado esta quarta-feira. Os resultados revelam que as famílias notaram uma diminuição tanto nos preços como no desemprego nos últimos 12 meses, mas apenas 3,2% afirmaram conseguir poupar algum dinheiro, metade dos 6,9% registados no terceiro trimestre de 2024.
Por: Renibly Monteiro
Os dados revelam um agravamento face ao período homólogo de 2024, quando 92,4% partilhavam a mesma opinião, e expõe impasse: enquanto as famílias avaliam positivamente a evolução da situação económica dos seus lares nos últimos 12 meses, consideram que a economia do país piorou. A erosão da capacidade de poupança representa o indicador mais preocupante do inquérito. Mesmo num contexto em que a inflação caiu para uma média de 1% em 2024, o nível mais baixo da história recente do país, o aumento da percentagem de famílias incapazes de poupar sugere que os rendimentos não acompanharam o custo de vida ou que as despesas essenciais absorvem praticamente toda a receita disponível.
Sem capacidade de poupança, as famílias ficam mais vulneráveis a choques económicos como doença, perda de emprego ou emergências familiares. Esta situação cria um ciclo de fragilidade financeira, qualquer imprevisto pode empurrar as famílias para situações de endividamento ou pobreza, uma vez que não existe almofada financeira para absorver crises. O inquérito mostra que o indicador de confiança no consumidor registou um ligeiro aumento no terceiro trimestre, situando-se acima da média. Contudo, quando comparado com o mesmo período de 2024, a evolução é negativa.
Consumo de bens duráveis praticamente paralisado
As intenções de realizar compras de grande valor mantêm-se em níveis mínimos. Quando questionadas sobre a intenção de comprar um automóvel nos próximos dois anos, 92,8% das famílias afirmaram ter a certeza absoluta de que não o farão. Apenas 0,6% responderam que “provavelmente sim” irão adquirir um veículo, uma quebra de metade face aos 1,2% do período homólogo.
A situação repete-se na habitação: 89,6% dos inquiridos descartam a possibilidade de comprar ou construir casa nos próximos dois anos, um aumento de 1,7 pontos percentuais face a 2024. A percentagem dos que afirmaram que “provavelmente” irão adquirir ou construir habitação caiu de 3,4% para 1,0%.
Pessimismo marca perspetivas para o futuro
As famílias antecipam uma evolução negativa tanto na sua situação financeira como na economia do país para os próximos 12 meses. Os inquiridos preveem que os preços dos bens e serviços diminuam, mas esperam um aumento do desemprego, comparativamente ao trimestre homólogo de 2024.
A quase total ausência de intenções de compra de automóveis e habitação indica que as famílias estão em modo de contenção máxima. Estes bens duráveis representam investimentos importantes que normalmente são adquiridos quando existe confiança no futuro e estabilidade financeira. O facto de cerca de 90% das famílias descartarem estas possibilidades revela não apenas falta de recursos, mas também ausência de perspetivas de melhoria.
Discrepância entre dados e perceção
Os resultados expõem uma contradição significativa: enquanto indicadores macroeconómicos apontam para crescimento do PIB de 5,9% em 2025, redução da inflação e diminuição da dívida pública, as famílias não sentem estas melhorias traduzidas no seu dia a dia. Esta discrepância sugere que o crescimento económico não está a gerar melhorias tangíveis na qualidade de vida da população.
A perceção de que a economia do país piorou, apesar da melhoria nos lares individuais, pode indicar que as famílias reconhecem fragilidades estruturais, como, dependência do turismo e das remessas do exterior, mercado de trabalho instável e custos elevados de bens essenciais importados.
Impactos concretos no quotidiano
Esta situação tem consequências práticas e imediatas. As famílias concentram os gastos exclusivamente em necessidades essenciais (alimentação, habitação, transportes básicos), limitando investimentos em educação, saúde preventiva ou lazer. Projetos de vida como a aquisição de casa própria ou a renovação de veículos ficam indefinidamente adiados.
A falta de margem financeira aumenta a dependência de apoios sociais do Estado e de transferências de familiares no exterior. Segundo dados de 2022, a pobreza aumentou de 26% em 2019 para 31,1%, e a taxa de desemprego situava-se em 14,5%, contextualizado o ambiente de contenção revelado pelo inquérito. O Inquérito de Conjuntura nas Famílias constitui um instrumento de análise da evolução da atividade económica no curto prazo, permitindo avaliar a confiança dos consumidores e as suas perspetivas face à economia nacional.
O contraste entre o crescimento macroeconómico e a estagnação das condições de vida das famílias representa um desafio central para as políticas públicas. O inquérito sugere que o crescimento económico previsto para 2025 precisa de ser mais inclusivo, gerando empregos de qualidade e aumentos salariais que permitam às famílias não apenas sobreviver, mas também planear o futuro com alguma segurança.
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