Mais de metade dos cabo-verdianos que sofre de doenças do movimento relata que a patologia tem um impacto extremo nas suas vidas, com severas limitações de mobilidade. Os dados fazem parte do primeiro estudo epidemiológico sobre estas doenças em Cabo Verde, apresentado ontem, 24, na capital cabo-verdiana, e que expõe as lacunas no sistema de saúde nacional e o drama silencioso de centenas de famílias.
Por: Renibly Monteiro
Durante a recolha de testemunhas para este estudo os participantes tiveram oportunidade de expressar as suas preocupações relacionadas com as doenças do movimento através de técnicas de processamento de linguagem natural para identificar sistematicamente as dificuldades comuns, como o acesso a medicamentos, terapias e bem-estar emocional. Os resultados são preocupantes. Entre os inquiridos, 43% enfrenta graves problemas de mobilidade, 36% sofre de tristeza ou ansiedade, e 29% perdeu autonomia em tarefas básicas como comer ou vestir-se. Para 22% a doença trouxe ainda consequências financeiras, obrigando-os a trabalhar menos ou a deixar completamente de trabalhar.
A doença de Parkinson representa 79% dos casos estudados, seguida pelo Tremor Essencial (9%) e a doença de Huntington (8%). O perfil típico do doente é, na maioria dos casos, um homem de cerca de 67 anos, residente em zona urbana predominantemente em Santiago. Contudo, uma descoberta preocupante emerge dos dados. 23% dos participantes foram diagnosticados antes dos 50 anos, o que significa que convivem com a doença durante décadas, muitas vezes sem o apoio adequado. “A falta de neurologistas nas ilhas e dificuldades burocráticas no acesso a medicamentos agravam sofrimento dos doentes”, diz Leida Tolentino, investigadora cabo-verdiana que liderou o estudo.
A investigação, realizada entre julho e dezembro de 2024 por uma equipa que integrou os especialistas Felipe Monteiro, Cláudia Pires, e Antónia Fortes, mostra que apenas cinco neurologistas servem todo o país, todos concentrados em Santiago, deixando as restantes ilhas praticamente sem apoio especializado.
A geografia cabo-verdiana é também uma barreira adicional para quem precisa de cuidados neurológicos. Estando os neurologistas concentrados na Praia, os doentes das outras ilhas dependem das suas deslocações esporádicas destes especialistas, frequentemente direcionadas para o setor privado.
Recomendações para melhoria dos cuidados
“Há necessidade de desconcentrar os serviços de neurologia para um melhor acesso”, enfatiza Leida Tolentino. A disparidade é evidente nos números. Enquanto a região de Barlavento regista 20 casos por 100 mil habitantes, Sotavento apresenta apenas 15 casos por 100 mil habitantes. Esta diferença tem reflexos não só nas variações epidemiológicas, mas também nas desigualdades no acesso ao diagnóstico
Com base nos resultados, a equipa de investigação apresenta recomendações específicas para as instituições governamentais de saúde. Entre as principais propostas estão a promoção do diagnóstico precoce, a descentralização dos serviços de neurologia e a melhoria do acesso a medicamentos e terapias.
“As barreiras no acesso à medicação foram um dos principais desafios mencionados pelos participantes. Constatámos que ainda existem muitos aspetos burocráticos na obtenção de medicamentos, cuja maioria é produzida no exterior”, afirma Tolentino, que também sublinha a necessidade de uma abordagem multidisciplinar.
“As intervenções têm que ser holísticas, abordando o todo do paciente física, psicológica e emocionalmente, para coordenar todos esses profissionais de saúde dessas diversas áreas”, enfatiza a investigadora cabo-verdiana.
Copyright © 2025. Todos os Direitos Reservados.