Hoje, 18, Dia Nacional da Cultura, a questão de quem somos e quem queremos ser ressoa com força especial. Numa reflexão profunda sobre a diáspora, identidade e cultura africanas, o jornalista e filósofo Filomeno Lopes lançou esta semana, durante o Congresso Internacional de Quadros Cabo-verdianos, um apelo urgente: a África deve despertar para o resgate da sua historicidade, rejeitar o mimetismo cultural legado pela colonização e pensar com a sua própria cabeça.
Por: Renibly Monteiro
Neste dia de celebrar a Cultura, a mensagem de Filomeno Lopes é clara e urgente: a identidade e a cultura cabo-verdiana não são questões estáticas do passado, regadas ao folclore. São desafios vivos e permanentes do presente. Defende ainda que, neste terceiro milénio, a “África deve despertar para si mesma, pensar com a sua própria cabeça, com os pés bem fincados no chão, sabendo com certeza que não há soluções europeias ou americanas para os problemas africanos” destaca.
Filomeno Lopes reafirma o papel da diáspora cabo-verdiana na construção e preservação da identidade cultural africana. Para o filósofo Guineense, a diáspora, não representa um afastamento ou uma fuga. Representa, antes, uma extensão da luta, um espaço onde o diálogo entre o externo e o interno se perpetua, onde a chama da identidade, da solidariedade e do pensamento africano autêntico permanece acesa.
É este o espírito que marca o Dia Nacional da Cultura em Cabo Verde: a celebração de uma identidade que se recusa a morrer, que atravessa oceanos e gerações, que permanece viva na memória, no pensamento e na resistência quotidiana de homens e mulheres dispersos pelo mundo, com um coração que pulsa cabo-verdianidade, o amor à pátria, à cultura, à identidade. Amor este, que foi demonstrado esta segunda-feira, 13, durante o jogo da Seleção Nacional, cabo-verdianos no país e na diáspora, celebrando a vitória de um país que, além de livre, fez ecoar o seu nome por todo o mundo.
A diáspora como força viva e responsável pela consciência cultural
Um contributo crucial da intervenção de Lopes reside na reafirmação do papel central da diáspora na história do pensamento e da resistência africana. A história africana não nasceu apenas no continente, nasceu também nas Américas, entre os filhos dos escravizados, alimentando posteriormente movimentos como o pan-africanismo e a negritude. Assim, na perspetiva de Filomeno Lopes, a diáspora não é uma realidade separada ou periférica, é, por natureza, parte constitutiva da própria África.
Para Lopes, aqueles que hoje vivem fora do continente têm uma responsabilidade moral particular: sentir os problemas de toda a África como seus próprios problemas. Quando o Sudão sofre, quando a Guiné-Conacri enfrenta dificuldades, quando qualquer povo africano se vê oprimido, os cabo-verdianos e guineenses da diáspora devem manter viva a solidariedade pan-africana que caracterizou o período de libertação.
“Nós, da diáspora, não podemos não sentir esses problemas como problemas nossos”, afirma. Conforme explica, enquanto as pessoas no continente lutam com a sobrevivência quotidiana, a diáspora tem o privilégio e o dever de manter a perspetiva, de refletir, de sonhar um futuro melhor para o conjunto do continente. Não vamos esquecer o tempo que passou, porque esse passado é um recordatório permanente de que a vida nunca começou connosco”, vincou.
Segundo Lopes, a independência representou muito mais do que o fim da dominação colonial, foi um processo de restituição da história e historicidade às sociedades africanas. Durante séculos, os povos africanos foram sistematicamente desumanizados, considerados incapazes de raciocinar, de ser senhores do próprio destino. A luta pela independência foi, portanto, uma reafirmação fundamental: a de que os africanos são sujeitos históricos, produtores de cultura e donos do seu futuro.
O legado da colonização: do folclore à reafirmação
Na ótica de Filomeno, a colonização portuguesa operou uma transformação particular na identidade africana. Transformou as culturas em folclores, as línguas em dialetos e as espiritualidades em abstrações desligadas da realidade material. Desta herança envenenada, os povos africanos herdaram o que Lopes designa como a “cultura do mimetismo”, um pensamento que reproduz o que não se viveu e vive o que não se pensou.
“Esta contradição fundamental torna os africanos consumidores do que não produzem e produtores do que não consomem, perpetuando uma dependência que a independência política ainda não conseguiu eliminar”, afirmou o filósofo.
Sobre como sair desta armadilha? A resposta, segundo Lopes, passa necessariamente por uma reafirmação radical da identidade própria.
Os valores atemporais da luta
Filomeno destaca que o processo de luta não foi apenas militar, foi, acima de tudo, um momento de construção de valores humanos para a edificação de futuras pátrias. Mas quais são esses valores fundamentais que devem ser preservados e transmitidos às gerações presentes?
Segundo Lopes, os “Cabrais”, os homens e mulheres que trouxeram a independência, foram capazes de uma façanha extraordinária, abraçaram a educação e o conhecimento do “outro” sem perder as raízes, sonharam um continente enquanto estavam firmados nas suas origens, dialogaram com os opressores sem renegar a sua essência africana. Este é o legado verdadeiro, não apenas a bandeira e o hino nacional, mas um modo de estar no mundo fundamentado na dignidade, na solidariedade e no pensamento autónomo.
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