Quarta-feira, 10 Setembro 2025

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Cabo Verde regista 52 casos de suicídio em 2022 com prevalência nos homens

No mês em que se assinala o Setembro Amarelo, campanha mundial de prevenção do suicídio que culmina no Dia Mundial da Prevenção do Suicídio, a 10 de setembro, Cabo Verde confronta-se com números preocupantes. Segundo os dados mais recentes do Ministério da Saúde, divulgados pela psicóloga Belmira Miranda em entrevista ao Jornal de Domingo da TCV, o arquipélago registou 52 casos de suicídio em 2022, mantendo uma tendência de cerca de 47 casos anuais que se verifica desde 2020.

Por: Renibly Monteiro

Os números revelam um padrão consistente: mais de 90% das vítimas são do sexo masculino, com prevalência nos grupos etários mais jovens, especialmente entre adolescentes e adultos até aos 60 anos. Esta realidade cabo-verdiana espelha uma tendência global identificada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que considera o suicídio um problema de saúde pública mundial.

Fatores de risco multiplicam-se na sociedade moderna

As causas subjacentes aos casos de suicídio em Cabo Verde não diferem significativamente das tendências mundiais. Segundo Belmira Miranda, coordenadora do Programa de Saúde do Adolescente, “a nível mundial as perturbações mentais e o consumo de álcool dão conta da maioria dos casos de suicídio”. Entre os fatores de risco identificados contam-se o consumo de álcool, ansiedade, depressão, stress pós-traumático, perdas significativas, violências, abusos e situações sociais problemáticas.

Entretanto, Belmira explica que a pandemia de Covid-19 agravou o cenário, com um aumento notório dos casos de ansiedade e depressão a nível mundial. Em Cabo Verde, este fenómeno traduziu-se numa maior procura de cuidados psicológicos nos centros de saúde, evidenciando a crescente necessidade de profissionais de saúde mental.

Paralelamente, a psicóloga destaca o papel das redes sociais e do isolamento tecnológico como fatores emergentes. “Temos cada vez mais isolamento e tem a questão das redes sociais, que fazem com que as pessoas fiquem cada vez mais isoladas. Há muita questão da comparação, como é que o outro está, como é que eu estou”.

Estratégia nacional em implementação

Face a este panorama, Cabo Verde desenvolve uma Estratégia Nacional de Prevenção do Suicídio, alinhada com as diretrizes da OMS e integrada no plano estratégico nacional para a saúde mental. Esta estratégia, implementada desde 2020, aborda múltiplas vertentes, desde o controlo do acesso a meios lesivos até estratégias de comunicação especializadas.

Uma das iniciativas mais visíveis é a rubrica semanal “Saúde Emocional”, resultado de uma parceria entre a RCV Mais, a Direção Nacional de Saúde e o Programa de Saúde do Adolescente. Este programa de cinco minutos, transmitido todas as segundas-feiras, procura sensibilizar a população para os cuidados com a saúde emocional e a educação emocional de crianças e adolescentes.

A estratégia prevê ainda a introdução de novos instrumentos de recolha de dados, incluindo uma ficha específica para registar tanto os casos consumados como as tentativas de suicídio, a fim de permitir uma melhor caracterização dos casos e identificação de padrões comportamentais.

Estigma em Cabo Verde persiste como principal obstáculo

Apesar dos esforços, o estigma em torno da saúde mental continua a ser o principal obstáculo à prevenção eficaz. “Suicídio é um tema que ainda as pessoas têm medo de abordar, porque está envolta a estigmas, e há muitas vezes as pessoas têm a ideia de suicídio ser um ato de fragilidade ou de fraqueza”, explica Belmira Miranda.

Esta resistência cultural manifesta-se na relutância das famílias em procurar ajuda psicológica e na dificuldade de detetar precocemente os sinais de alerta no seio familiar. Contudo, a psicóloga nota uma evolução positiva: “Há uma mudança nisso, as pessoas cada vez mais procuram ajuda”.

O tema escolhido pela OMS para o período 2022-2026, “Mudando a Narrativa sobre o Suicídio”, com o lema “Comece a Conversa”, visa precisamente combater este estigma e encorajar o diálogo aberto sobre saúde mental.

Desafios globais espelham-se localmente

Os dados da OMS divulgados a 3 de setembro revelam a dimensão global do problema. Em 2021 registaram-se 727 mil suicídios mundialmente, tornando-se uma das principais causas de morte entre jovens em todos os contextos socioeconómicos. Apesar da meta dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável de reduzir as mortes por suicídio em um terço até 2030, as projeções atuais apontam para uma redução de apenas 12%. O subfinanciamento da saúde mental constitui outro desafio transversal: o gasto médio governamental mantém-se em apenas 2% do orçamento total da saúde desde 2017, situação que se manteve inalterada mesmo após a pandemia.

Prevenção exige abordagem multissectorial

Para Belmira Miranda, a prevenção eficaz do suicídio requer uma abordagem que valorize o convívio, o autocuidado, redes de apoio, tanto nas comunidades, para que as pessoas possam realmente passar por algum transtorno, mas ter os devidos cuidados. A especialista sublinha a necessidade de trabalhar competências como a relação com o outro, a compaixão, e a comunicação não violenta, porque as pessoas precisam de empatia. Apenas através desta abordagem holística será possível não só detetar precocemente os sinais de risco, mas também criar uma sociedade mais resiliente e solidária.

O Setembro Amarelo representa assim mais do que uma campanha de sensibilização, constitui um apelo urgente à ação coletiva para quebrar tabus, construir pontes de diálogo e salvar vidas que podem ser preservadas com o apoio adequado no momento certo.  

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