Enquanto era feita a discussão com representantes das duas Casas do Congresso, alternativas passaram a ser debatidas “por fora”, como a possibilidade de cobrir parte do déficit fiscal com dividendos a que a União tem direito no Banco Nacional de Desenvolvimento Social -BNDES, no Banco do Brasil -BB e até na Petrobras, petrolífera brasileira em que a União detém a maioria das ações. De maneira tímida, um ou outro setor da mídia chegou a mencionar alternativas, como o corte dos supersalários do funcionalismo nos três poderes, a redução dos privilégios previdenciários dos militares, o fim de isenções fiscais para empresas, a cobrança de dívidas das empresas com a União, cortes nas emendas parlamentares.
Esse é o debate que, de fato, a sociedade deveria estar fazendo. No entanto, a ênfase continuou sendo dada à necessidade de cortes de gastos públicos, como a desvinculação do ajuste de benefícios sociais da política de valorização do salário mínimo, mudança na própria política de valorização do salário mínimo, fim dos gastos obrigatórios em saúde e educação, reforma da previdência e reforma administrativa.
Ou seja, cortes que afetam direta e indiretamente os trabalhadores, a classe média e os setores mais pobres da população. Depois de várias reuniões com lideranças partidárias no parlamento, o governo enviou ao Congresso uma Medida Provisória contendo o aumento da tributação sobre investimentos, aplicações financeiras e lucros das empresas, além do aumento nas taxas cobradas das casas de apostas. Ficou de apresentar ao parlamento “uma proposta de emenda à Constituição (PEC) para reduzir benefícios fiscais às empresas.
Obviamente, a proposta não agradou aos setores afetados e a reação foi imediata. “O movimento reflete uma postura preocupante: a de tapar buracos de um gasto público crescente com mais carga tributária, prática que gera insegurança para o mercado interno e afasta o investidor estrangeiro”, disse o diretor do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), Carlos Pinto, expressando a opinião média do mercado. (G1, 09/06)
A tensão com o Congresso aumentou, com parlamentares de extrema-direita e da direita rejeitando a proposta e se posicionando a favor do PDL – Projeto de Decreto Legislativo – para derrubar a medida proposta pelo governo. Em sessão para discutir a alternativa na Câmara, o ministro Haddad foi hostilizado por deputados bolsonaristas, numa cena degradante. Em contradição com o propósito, e necessidade, de cortar gastos, a Mesa Diretora da Câmara apresentou, com o apoio de Hugo Motta, presidente da Casa, o projeto que permite o acúmulo de aposentadoria e salário pelos parlamentares em exercício do mandato.
De volta da viagem à França, o presidente Lula entrou no debate, botando os pingos nos is e sustentando a posição de Haddad. “Vocês sabem quanto que nós gastamos com os ricos? Vocês sabem quantos bilhões a gente dá de isenção para os ricos desse país que não pagam imposto? R$ 860 bilhões. É 4 vezes o Bolsa Família*. Agora, o que a gente dá para eles é investimento, o que a gente dá para vocês é gasto”, declarou em evento realizado em Mariana, município do estado de Minas Gerais. E completou: “Eu não fui eleito para fazer benefício para rico. Eu quero que eles ganhem o que eles têm direito”. (Poder 360, 12/06) Este é o principal conflito de interesses envolvendo as classes sociais no país. Falta a sociedade fazer o debate, a começar pelos principais interessados, os trabalhadores.
Sobre o autor
Alex Sgreccia é sociólogo, brasileiro, especialista em relações do trabalho, com formação académica na Universidade de Campinas-UNICAMP/SP e na Universidade de Cornell-NY.
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