Domingo, 24 Agosto 2025

A análise de Alex Sgreccia

Nova etapa da guerra tarifária de Trump

Depois de ter imposto tarifas recíprocas a todos os países que taxam produtos norte-americanos, no dia 2 de abril, abriu-se um período de pressões e negociações com países e blocos para subordiná-los aos interesses imperiais de Washington. Os objetivos do Governo de Trump têm sido ampliar mercados, obter vantagens competitivas para produtos norte-americanos e atrair investimentos estrangeiros (acordos com o Japão e União Europeia), coagir governos cujas relações comerciais possam ameaçar o dólar como moeda de troca nas transações internacionais (BRICs, em especial o Brasil), exercer pressões sobre quem contrarie interesses geopolíticos (países que continuam a importar produtos da Rússia, como a Índia), e exercer pressões ainda maiores a governos de esquerda que não se subordinam e resistem em defesa da própria soberania (México, Colômbia e Brasil).

As negociações têm seguido o mesmo padrão – escalar as ameaças para as diminuir, em seguida, ao obter vantagens. E têm sido determinadas pela correlação de forças: mais duras e ainda em curso com a China, que dispõe de enorme poder de barganha; relativamente impositivas com o Japão e a União Europeia, aliados históricos que fizeram concessões expressivas, coercitivas e vinculadas a interesses políticos e ideológicos, como os países latino-americanos, em particular o Brasil. 

Trump assinou no dia 11 de agosto uma ordem executiva que estende por mais 90 dias a suspensão das tarifas sobre importações chinesas. A trégua entre Pequim e Washington venceria em 12 de agosto. Em 12 de maio, os EUA e a China concordaram em reduzir temporariamente as chamadas “tarifas recíprocas” por um período de 90 dias. As tarifas aplicadas pelos EUA sobre importações chinesas cairiam de 145% para 30%. As taxas impostas pela China sobre produtos americanos foram reduzidas de, 123% para 10%.

A negociação com a China tem sido dura. O governo chinês retaliou ao aumento de tarifas com tarifas de igual tamanho. 

Ao mesmo tempo, suspendeu a exportação de minérios raros, fundamentais para a indústria de ponta norte-americana. Procurou rotas alternativas para seus produtos chegarem aos EUA, usando países asiáticos ainda não afetados pelo tarifaço como exportadores. Buscou alternativas de cooperação e comércio no continente asiático, estreitando relações com o Japão e a Coreia do Sul. Tem apoiado o Brasil, como membro do BRICs, nas investidas comerciais e políticas do governo Trump. Usa como trunfos a dependência do mercado norte-americano a produtos chineses e o fato de ser, depois do Japão, o segundo país estrangeiro com mais títulos do tesouro americano. A venda em massa desses papéis, como o Japão já começou a fazer, poderá complicar significativamente a economia ianque, tornando impagável sua exorbitante dívida pública.

O acordo realizado com o Japão, no início de agosto, manteve as tarifas em 15% para os produtos japoneses – exceto aço e alumínio que continuam com tarifas de 50% — acerto articulado ao compromisso de o país asiático investir US$550 bilhões (R$3 triliões) “direcionados pelos EUA para reconstruir e expandir as principais indústrias estadunidenses”. O acordo foi vangloriado por Trump como exemplo de que pode “fechar um bom acordo com todo mundo”.

Segundo matéria publicada pelo Brasil de Fato, um dos pontos do acordo que chama a atenção “é o de que 90% dos lucros dos investimentos de US$550 bilhões (R$3 triliões) ficarão com os Estados Unidos.” Foi o preço pago pelo Japão para reduzir as tarifas sobre produtos japoneses, revelando “a natureza coercitiva e chantagista da política tarifária de Trump.” (Mauro Ramos, BdF, 24/07).

O acordo com a União Europeia seguiu padrão semelhante: em troca de tarifas de 15%, a UE se comprometeu a fazer um investimento de US$600 bilhões nos Estados Unidos. A nova tarifa se aplica a automóveis, semicondutores e produtos farmacêuticos. O bloco europeu vai firmar acordos para a compra de energia e de equipamentos militares dos EUA. A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, afirmou que a União Europeia vai substituir o gás e o petróleo comprados da Rússia por gás, petróleo e combustíveis dos EUA. Ficou estabelecida tarifa zero para produtos considerados estratégicos, como aeronaves e peças, alguns produtos químicos e medicamentos genéricos. Bebidas alcoólicas ficaram de fora da decisão sobre tarifa zero. Depois de ter criticado o acordo, Macron afirmou: “Agora, mais do que nunca, é importante acelerar a agenda de soberania e competitividade”.

Por ocasião da reunião de cúpula do Brics no Rio de Janeiro, o presidente norte-americano chegou a ameaçar os países membros com tarifas, após terem criticado a política tarifária ianque e proposto reformas no Fundo Monetário Internacional. Chegou a afirmar que o bloco era formado por países anti-Estados Unidos. Alegou que a tarifa de 25% à Índia devia-se, em parte, ao fato de o país ser membro do Brics, e ameaçou impor tarifas aos demais países do bloco. Sobre a possibilidade de transações comerciais usando moedas próprias, comentou: “É um ataque ao dólar, não vamos deixar ninguém atacar o dólar.” (BBC News Brasil, 06/08). Na sequência, ampliou as tarifas para uma lista de produtos brasileiros para 50% e elevou as tarifas para produtos da Índia também para 50%, como represália ao fato de o país indiano importar combustíveis da Rússia.

Trump criticou o governo do México pela forma como trata a imigração, combate as drogas e por questões comerciais. A presidente Claudia Sheinbaum adotou uma postura firme, reafirmando a sua autoridade e a soberania nacional, mas buscando manter o diálogo com o governo dos EUA. Chegou a declarar que “o México não está subordinado a ninguém”. No entanto, atendeu a demandas do presidente norte-americano, como o aumento do efetivo militar na fronteira e a extradição de líderes de cartéis de drogas para os EUA. 

O presidente da Colômbia negou-se a receber imigrantes deportados pelos EUA. “Eu não aperto a mão de escravizadores brancos”, declarou.  “Apesar da retórica contundente, o líder colombiano recuou pouco depois, permitindo a retomada dos voos com deportados — um sinal da pressão efetiva da Casa Branca. Assim como a Colômbia, outros países que receberam ameaças semelhantes acabaram, em maior ou menor grau, cedendo às exigências do governo Trump diante dos riscos económicos e diplomáticos”, (Ionna Stravakas, G1, 09/08).

No caso do Brasil, o aumento de tarifas teve objetivos claramente políticos, de intimidar o Supremo no julgamento de Bolsonaro. Embora não tenha sido explicitado, há o descontentamento do governo norte-americano com restrições impostas às redes sociais e com o sucesso do PIX, que contraria interesses das empresas americanas de cartão de crédito.

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