Quinta-feira, 25 Dezembro 2025

A análise de Alex Sgreccia

México: cuidar da vida como projeto político e resistir às investidas de Trump

Claudia Sheinbaum, presidenta do México, enviou recentemente ao Congresso um projeto de lei que reduz gradualmente a jornada semanal de trabalho de 48 horas semanais para 40 horas até 2030. A iniciativa foi debatida e aprovada em mesas de diálogo envolvendo sindicatos, empresários, a academia, associações da sociedade civil e o governo. A medida veio no bojo de outras, como o fim da escala 6/1 e o aumento do valor do salário mínimo, com o mesmo objetivo de combater a precarização do trabalho. Vai na direção oposta à de governos que seguem à risca o receituário neoliberal, precarizando o trabalho.

A escolha de Sheinbaum é orientada pelo projeto político em que governar é cuidar da vida, especialmente da vida dos trabalhadores e camadas mais pobres da população. Em seu governo, dá continuidade à Quarta Transformação, projeto político inaugurado pelo seu antecessor na presidência, Andrés Manuel López Obrador. Mudanças também têm sido feitas visando fortalecer as instituições democráticas, como a escolha de magistrados através do voto direto dos eleitores. A iniciativa, ao democratizar o processo de escolha, botou fim nos mecanismos usados pelas elites para monopolizar cargos no poder judiciário, alimentando o nepotismo.

Esse processo virtuoso de governar tem sido tensionado pelas pressões do governo Trump em sua guerra contra imigrantes, o narcotráfico e produtos importados. A presidenta mexicana é reconhecida internacionalmente pela forma como lida com as essas pressões. Conseguiu prorrogar o acordo comercial envolvendo tarifas a produtos mexicanos. O tarifaço é considerado uma medida na contramão da integração econômica construída com os EUA e o Canadá.

O processo começou por volta dos anos noventa, com a instalação, do outro lado da fronteira mexicana, de “maquiladoras”, fábricas norte-americanas em busca de mão de obra barata.  Foi um verdadeiro processo de migração industrial para o país vizinho. O Tratado Norte-Americano de Livre Comércio, envolvendo os EUA, Canadá e México (NAFTA, sigla em inglês) e substituído recentemente pelo Acordo Estados Unidos-México-Canada (USMCA), promoveu e aprofundou a integração econômica. Hoje, há uma enorme dependência do mercado norte-americano de produtos mexicanos, desde carros a produtos agrícolas, assim como estão cada vez mais interconectadas as cadeias produtivas envolvendo diversos setores da economia dos dois países. Isso não se desfaz por decreto, assim como a imposição de tarifas não assegura, automaticamente, a reindustrialização americana pretendida por Trump.

Outro campo de tensão com o governo mexicano, e contornado com habilidade por pela presidenta Sheinbaum, tem sido a campanha contra a imigração. Assim que tomou posse, o presidente americano declarou emergência nacional na fronteira sul, para onde deslocou tropas; revogou e alterou normas reguladoras da imigração para impedir a entrada de novos imigrantes; finalmente, desencadeou uma verdadeira caçada aos “ilegais”, militarizando a ação da ICE (Immigration and Customs Enforcement), agência federal responsável pela imigração. A ordem é a caça a estrangeiros em situação irregular, identificados pela cor da pele ou pelo sotaque, e sua expulsão em massa.

Trump exigiu a colaboração do governo vizinho. Sheinbaum respondeu com a criação de centros de acolhimento ao longo da fronteira para receber mexicanos deportados. Aumentou o controle de fluxos migratórios em direção aos EUA. Em 2025, houve uma queda drástica (91%, comparados ao ano anterior) de imigrantes interceptados na fronteira.

O resultado tem sido também produtos agrícolas apodrecendo nas fazendas sem serem colhidos, obras inacabadas nas cidades e serviços básicos paralisados por falta de mão de obra. Os desempregados de regiões desindustralizadas, como o “Cinturão da ferrugem”, não tem acorrido em massa para ocupar as vagas deixadas pelos imigrantes expulsos.

Outra investida de Trump foi a tentativa de enviar tropas para combater carteis de droga no país vizinho.  O governo mexicano recusou a oferta militar em nome da própria soberania e questionou a identificação dos carteis como organizações terroristas.  “A medida não ajudou”, disse a presidenta Sheinbaum. “O que ajuda seria a coordenação e colaboração conjunta [para combater os carteis]. Temos uma estratégia global para isso e nisso poderíamos receber colaboração”, ressaltou.

No entanto, é a propalada falta de segurança, decorrente da ineficácia do combate ao crime organizado, que a Geração Z tem usado para mobilizar jovens contra o governo de Sheinbaum. Na manipulação dos algoritmos utilizados para convocar as massas é possível identificar as digitais da CIA.

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