Usinas nucleares ucranianas foram tomadas. Houve um processo intenso de deslocamento interno da população – cerca de 7,1 milhões de pessoas – e de migração para outros países – 6,5 milhões de pessoas – especialmente para a Alemanha e Polônia. Milhares de crianças foram “enviadas” para a Rússia. O bloqueio de portos impediu a exportação de produtos agrícolas e de insumos, com impacto na elevação dos preços no mercado internacional. As medidas econômicas adotadas pelos países ocidentais alinhados aos Estados Unidos para sufocar a economia russa não deram o resultado esperado. Ao contrário, Moscou intensificou as relações comerciais com a China e bloqueou a exportação de gás natural para a Alemanha, minando a competitividade da indústria alemã e elevando o custo de vida, com repercussão negativa na população.
Putin tentou impor para o público interno a versão de que se tratava de uma operação militar localizada em defesa da população de origem russa hostilizada pelo governo neonazista ucraniano. Manteve a opinião pública sob severo controle, proibindo manifestações e prendendo militantes contrários à intervenção. Mas a realidade da guerra se impôs, desfazendo a falsa narrativa. Os russos sofreram enormes baixas, a maioria voluntários. O Kremlin teve que enfrentar a ameaça do exército de mercenários revoltosos avançando em direção a Moscou.
A imagem do sistema de segurança ficou arranhada com os atentados realizados pelo serviço secreto ucraniano contra militares russos de alta patente, fazendo várias vítimas. O novo presidente norte-americano, apesar de priorizar uma política externa isolacionista, assumiu ares imperialistas de que tem o comando do mundo. Deixou claro que queria uma solução rápida para o conflito no Leste Europeu. No entanto, a solução do conflito na Ucrânia envolve questões geopolíticas complexas, a própria segurança dos países europeus, aliados históricos dos Estados Unidos. Não interessa a Washington uma potência nuclear, já fortalecida pelas relações com Pequim, ameaçando o continente europeu. Trump mandou recado para Putin, ameaçando-o com a escalada de tarifas para produtos russos, se não chegasse a uma solução para o conflito. Moscou respondeu que aposta em relações soberanas e no diálogo mutuamente respeitoso com Washington.
Não havia condições objetivas para um processo de negociação entre as partes beligerantes, defendido pela China e pelo Brasil. A Ucrânia não abria mão dos territórios invadidos pelos russos e nem da sua soberania, continuava apostando na guerra, apesar da desvantagem militar e da enorme dependência de aliados europeus e dos Estados Unidos. A Rússia, por sua vez, não cedia os territórios ocupados e reivindicava o fim das sanções impostas pelos Estados Unidos e a União Europeia.
Este cenário não mudou substancialmente, apesar da movimentação dos atores nos últimos sete meses. Houve várias tentativas de negociação, nenhuma com avanços significativos. As ações militares continuaram, a Rússia usando a superioridade militar e área para atacar o território ucraniano e a Ucrânia utilizando táticas ousadas de ataque a alvos estratégicos em território russo, resistindo como pode, com maior ajuda da UE. Trump oscila entre conversas e ameaças a Putin, entre a humilhação e a negociação com Zelensky. Aproveita-se da fragilidade de Kiev para cobrar a “ajuda” dada aos ucranianos, submetidos ao acordo que assegura aos Estados Unidos a exploração das suas terras raras.
Depois de ter sido humilhado e expulso da Casa Branca por não aceitar a proposta para o fim do conflito com a Rússia, Zelensky voltou atrás, ao sentir o peso da suspensão da ajuda militar dos EUA. Trump apostou num acordo rápido com Putin, dividindo os espólios de guerra – a Rússia ficando com os territórios invadidos e com a garantia de que a Ucrânia seria desmilitarizada, não ingressaria na OTAN e nem na União Europeia; os EUA teriam acesso às terras ucranianas ricas em minérios raros. Moscou, no entanto, intensificou os ataques, irritando o governo norte-americano.
Trump voltou a negociar com Putin. O presidente americano desaprovou a proposta russa de formação de um governo de transição na Ucrânia, afastando Zelensky do cargo e deixando o país sob a tutela temporária da ONU. Ameaçou com imposição de tarifas à Rússia, o que ainda não aconteceu. Putin não compareceu ao encontro na Turquia para negociar a paz, desidratando-o e demonstrando que não tem pressa. A reunião resultou apenas no acordo para a troca de parte dos militares capturados pelas duas partes.
Putin prosseguiu com os ataques e colocou as cartas na mesa em busca do que chama uma paz duradoura. Quer que os líderes ocidentais se comprometam, por escrito, a parar com a expansão da OTAN no Leste Europeu, suspendam parte das sanções impostas a Moscou e descartem formalmente a entrada da Ucrânia, Georgia e Moldávia na Aliança do Atlântico Norte. Sabe-se que quer mais: a liberação dos ativos russos congelados em contas no Ocidente, a desmilitarização da Ucrânia e sua não entrada na União Europeia. Em outras palavras, mantê-la como satélite da Rússia.
Diante da reação inócua de Trump aos ataques russos, Zelenski e Merz anunciaram, em Berlim, um acordo de investimento que permitirá à Ucrânia construir os próprios mísseis de longo alcance, armamento com capacidade de alterar profundamente a dinâmica da guerra. Reino Unido e Alemanha já haviam autorizado Kiev a usar mísseis que podem atingir o território russo. Trump entrou novamente em cena para dizer que Putin estava “brincando com fogo” e que “coisas realmente ruins” teriam acontecido à Rússia, não fosse sua mediação. A reação de Moscou foi imediata: “(…) eu só conheço uma COISA REALMENTE RUIM, a Terceira Guerra Mundial. Espero que Trump compreenda isso”, afirmou o responsável pela segurança do Kremlin, Dimitry Medvedev.
Sem condições de enfrentar o inimigo numa guerra convencional, devido à disparidade do aparato bélico, a Ucrânia passou a surpreender com táticas de guerrilha e sabotagem. Um ataque de drones, planejado por mais de um ano, destruiu um terço da frota russa de aviões de guerra, estacionados em diferentes bases aéreas, distantes do cenário em que se desenrola o conflito. Explosivos colocados sob as águas profundas destruíram a ponte que liga o território ocupado da Crimeia à Rússia, impedindo a passagem de tropas, armamentos e suprimentos. Além de constranger o Kremlin, expondo falhas no seu sistema de segurança e causando danos materiais significativos, a ação ousada da Kiev trouxe a guerra para dentro do território russo, desmontando a versão de Putin de que se trata de uma operação militar localizada no país vizinho. Um ataque mais recente de drones destruiu caças russos na Crimeia. Outros ataques com drones incendiaram uma estação ferroviária e um depósito de petróleo na Rússia. A União Europeia aprovou um aumento substantivo de recursos para a própria segurança. Washington e Moscou elevaram o tom das ameaças.
O impasse continua, aparentemente sem solução à vista no curto prazo.
Copyright © 2025. Todos os Direitos Reservados.