Terça-feira, 23 Setembro 2025

A análise de Alex Sgreccia

EUA: a corrosão da democracia

Nos últimos trinta dias, medidas adotadas pelo governo Trump no plano interno levantaram o questionamento sobre os rumos políticos da democracia norte-americana.

A ocupação de Washington com tropas federais e a investida contra o Fed foram vistas como uma inflexão na conjuntura, apontando uma tendência autoritária de rumo ainda incerto.

Segundo o jornalista Reynaldo Aragon, o deslocamento de unidades da Guarda Nacional e forças federais para Washington D.C., “o coração da política americana e epicentro institucional,” permitiram que o Executivo assumisse temporariamente o comando da Polícia Metropolitana.

O gesto foi mais do que simbólico, “mostrou que Trump está disposto a transformar a capital em laboratório de controle autoritário.” (Brasil247, 26/08).

De acordo com o mesmo analista, outro front de conflito emergiu na economia. “A tentativa de Trump de demitir a diretora do Federal Reserve, Lisa Cook, incendiou os mercados e gerou alarme entre economistas.

A independência do Fed, pilar da estabilidade global, sempre foi considerada intocável. Atacar essa instituição é sinal claro de que o presidente pretende dobrar a máquina econômica aos seus interesses políticos.

As primeiras reações não demoraram: queda nos mercados de títulos do Tesouro, volatilidade cambial e declarações de alerta de Wall Street. Para analistas, esse foi o gesto mais arriscado de Trump desde a posse — porque atinge diretamente a confiança internacional no dólar”.

Diante das transformações operadas por Trump em tão curto tempo – ao desestruturar o Estado e pôr fim a políticas públicas voltadas para a promoção da igualdade entre cidadãos; ao combater a ciência no que tem de mais relevante em defesa da saúde e do meio ambiente; ao chantagear  universidades e investir contra sua autonomia; ao atacar o Federal Reserve e demitir um de seus dirigentes;  ao perseguir juízes que se posicionam contra suas medidas arbitrárias; ao desrespeitar abertamente a Constituição e ocupar com tropas federais cidades administradas por opositores, alegando razões inexistes, como a convulsão social e índices distorcidos de criminalidade; ao promover a caçada de imigrantes latinos pela simples aparência e sotaque – pergunta-se se estamos diante de um acelerado processo de concentração de poder típico de um regime autoritário, deixando para trás dois séculos e meio de democracia.

No mesmo artigo, Reynaldo  Aragon nos oferece uma leitura complexa dos processos em curso nos Estados Unidos, mostrando como os instrumentos de pesos e contrapesos entre poderes do regime democrático norte-americano e que sustentam a República Federativa atuam no sentido de impedir um desfecho da atual crise política similar ao das ditaduras do século passado, envolvendo golpe de Estado, subordinação e controle do parlamento, do judiciário e da sociedade civil. Ao contrário, a tendência mais provável é de um regime híbrido. Barreiras institucionais – federalismo, judiciário federal, congresso nacional – continuam operando como travas relevantes, gerando um processo lento de mudanças baseadas na captura institucional seletiva, no uso estratégico de forças federais em momentos críticos, na pressão econômica e na guerra informacional constante.

O autor conclui: “Em síntese, a hipótese de Trump ditador pleno permanece improvável. Mas a hipótese de Trump como líder de um regime híbrido, democrático na forma e autoritário no conteúdo, é cada vez mais plausível. Esse é o risco mais concreto para o futuro imediato dos Estados Unidos: a erosão gradual da democracia, não o golpe súbito. O que está em jogo não é a morte instantânea do sistema, mas a sua corrosão lenta — e é justamente nesse processo que a vigilância, a análise preditiva e o jornalismo estratégico se tornam indispensáveis.”

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