Quinta-feira, 30 Outubro 2025

A análise de Alex Sgreccia

Chacina na cidade do Rio de Janeiro: letal e desestabilizadora

As imagens da megaoperação das Polícias Civil e Militar do Estado do Rio de Janeiro contra a facção criminosa Comando Vermelho nos bairros Complexo do Alemão e Penha, na cidade do Rio de Janeiro, na quarta-feira, dia 28 de outubro, horrorizaram o país e estarreceram o mundo. Foi a mais letal da história, com mais de 120 mortos, na cidade onde o crime organizado controla uma parte significativa do território. Desencadeada pelo governo estadual, que ironicamente a considerou um êxito, a operação surpreendeu o governo federal e teve objetivos mais amplos do que o mero combate ao crime.O número assustador de vítimas foi criticado pelo Alto Comissariado dos Direitos Humanos das Nações Unidas.

Movimentos de Direitos Humanos classificaram a operação como chacina. As imagens do confronto foram transmitidas ao vivo. Moradores das comunidades sob o fogo cruzado, criminosos usando drones para lançar granadas contra policiais, bandidos sendo presos em casas que invadiram ou encurralados na rota de fuga para a mata no alto do morro. No entanto, nada mais chocante do que a cena de dezenas de corpos resgatados da mata por moradores e espalhados numa praça do bairro da Penha para reconhecimento. 

Mais do que despertar a indignação, as cenas levantam o questionamento da eficácia do uso da violência, em tal escala e sem o devido planejamento, para combater o crime organizado.A experiência recente da Polícia Federal em articulação com forças policiais estaduais, no Estado de São Paulo, mostrou que é possível combater o crime organizado usando inteligência.

Conseguiram mapear a cadeia de produção e de comercialização de álcool combustível controlada pelo PCC-Primeiro Comando da Capital, inclusive sua penetração no setor financeiro. Criminosos foram presos, nenhum foi morto. A estratégia que combina inteligência e repressão, que articula e integra entes federativos, é a aposta o governo e setores progressistas da sociedade para combater facções criminosas.

A desastrada ação do governo estadual do Rio de Janeiro vai na direção contrária, ao apostar na repressão, na licença para matar, reafirmada na expressão: “bandido bom é bandido morto”. Governadores de oposição, não por acaso bolsonaristas, resistem ao Projeto e Emenda Constitucional, apresentado pelo governo federal, que prevê a integração entre as forças de segurança estaduais e federais no combate ao crime organizado e que se encontra parado no Congresso.

Mais recentemente, o governo apresentou mais uma proposta, o Projeto de Lei Antifacção que visa combater organizações criminosas, minar sua infiltração na economia formal e endurecer as penas aos criminosos. Ou seja, não faltam iniciativas do governo Lula para fechar o cerco às organizações criminosas. A questão de fundo é outra.

Chama a atenção a relação entre fatos que não são isolados. Lula saiu fortalecido com o julgamento e condenção do ex-presidente Jair Bolsonaro e seus cúmplices na frustrada tentativa de golpe contra o Estado Democrático de Direito. A extrema-direita ficou isolada no cenário politico com a desastrada campanha pela anistia e pela redução de penas aos golpistas, assim como pelo apoio dado às tarifas impostas por Trump a produtos brasileiros e às sanções adotadas contra autoridades brasileiras, um verdadeiro ataque contra a soberania nacional.

Lula conseguiu abrir o diálogo com o governo norte-americano visando reverter as medidas, frustrando as forças políticas reacionárias que apostavam no cenário pior. Segundo as pesquisas de opinião mais recentes, Lula venceria todos os eventuais candidatos à presidência da República, se as eleições, previstas para 2026, ocorressem hoje.

A megaoperação desencadeada contra o crime organizado no Rio de Janeiro, sem sequer haver consultado o governo federal, a menção aos bandidos como “narco-terroristas”, que não por acaso são os mesmos que Trump diz ter como alvo nas investidas contra a soberania de países sul-americanos como a Venezuela e a Colômbia, essa operação, que está sendo defendida por parlamentares bolsonaristas e que despertou, igualmente, a solidariedade de govenadores da oposição, não aconteceu por acaso.

É o que aponta o analista Reynaldo Aragon: “Sob o disfarce da segurança, o Estado do Rio executou uma ação política de desestabilização. O alvo não é o crime, mas o governo federal e a soberania do País. O episódio desta terça-feira, 28 de outubro de 2025, marca o ápice de uma operação psicológica cuidadosamente calibrada para fabricar a sensação de colapso da segurança pública e, com isso, legitimar uma agenda geopolítica que não nasce no Brasil. (…) Essa manipulação discursiva tem objetivos precisos. Internamente, consolida o projeto de poder da extrema-direita, que precisa do medo como combustível político; externamente, reabre a porta para a doutrina de segurança dos Estados Unidos, que volta a enxergar a América do Sul como um campo de ‘risco híbrido’ a ser contido. O governo do Rio, ao adotar esse léxico, atua como vetor de uma psyop de alcance internacional: produz instabilidade, fragiliza o governo federal e fornece à imprensa estrangeira o argumento pronto de que o Brasil perdeu o controle sobre seu território”. Devemos ficar atentos aos desdobramentos.

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