Editorial de Maria Graça – Diretora Geral
As famílias modernas vivem entre silêncios e rotinas apressadas. Conversa-se pouco, convive-se menos. A tecnologia, embora aproxime geografias, muitas vezes afasta emocionalmente. Crianças crescem com acesso ao mundo digital, mas sentem falta de atenção genuína. Mulheres, sobretudo mães, continuam a desempenhar múltiplos papéis com pouca rede de apoio. E os idosos, que tanto contribuíram, veem-se à margem, quando deveriam ocupar um lugar de honra.
Esta dualidade — entre o ideal e o vivido — não é nova, mas tornou-se mais visível. E é urgente não a ignorar. Precisamos de políticas públicas que apoiem os cuidados e protejam os vínculos. Precisamos de tempo: tempo para cuidar, para dialogar, para escutar. Precisamos, sobretudo, de coragem para reconhecer que a família não se sustenta apenas no sangue ou na tradição, mas na prática diária de empatia, esforço e compromisso.
Talvez o maior gesto revolucionário hoje seja reaprender a conviver. Reconstruir os laços a partir do que temos: imperfeições, feridas, histórias. E transformar as casas em espaços de reencontro — com o outro e connosco mesmos.
A escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, diz que: “A família de onde vens não é tão importante quanto a família que vais construir.” Efetivamente, podemos reescrever o enredo e romper com o determinismo dos afetos herdados e a assumir a autoria da nossa própria história relacional. Podemos curar o que doeu, romper com padrões tóxicos e escolher conscientemente os vínculos que queremos construir a partir de agora.
A família que vamos construir — com parceiros, filhos, amigos, ou mesmo sozinhos — pode ser um espaço de afeto autêntico, de liberdade e de apoio mútuo. Pode ser mais justa, mais inclusiva, mais sensível. Pode ser uma comunidade pequena e íntima ou ampla e estendida, desde que nos faça sentir vistos, respeitados e pertencentes.
Construir uma nova família é um ato de coragem. Requer desaprender o que nos feriu, cultivar o que nos faz bem e, acima de tudo, assumir que ser família é uma prática, não apenas uma herança. É o que se escolhe todos os dias: ouvir, cuidar, pedir desculpa, proteger, sustentar — mesmo quando não é fácil.
Portanto, honrar a família de onde viemos, se for o caso, é válido. Mas é ainda mais revolucionário e transformador construir uma família onde o amor não seja uma obrigação, mas uma presença viva e constante.
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