Segunda-feira, 12 Maio 2025

Helena Semedo: “Eventos como o Fórum Mulher desempenham um papel crucial na promoção de mudanças concretas para as mulheres”

Grande Entrevista

“Eventos como o Fórum Mulher desempenham um papel crucial na promoção de mudanças concretas para as mulheres”

Helena Semedo: “Eventos como o Fórum Mulher desempenham um papel crucial na promoção de mudanças concretas para as mulheres”

Helena Semedo é uma das vozes africanas mais influentes no debate global sobre desenvolvimento sustentável, segurança alimentar e igualdade de género. Antiga ministra da Pesca, Agricultura e Desenvolvimento Rural, dos Assuntos Marítimos e do Turismo, foi também deputada nacional e exerceu, durante quase uma década, o cargo de Diretora-Geral Adjunta da FAO – Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura. Oradora convidada e integrante da Comissão de Honra do 1.º Fórum Internacional “Mulher e os Desafios do Desenvolvimento”, concedeu uma entrevista exclusiva ao Voz do Archipelago, em que partilha a sua experiência, reflete sobre os avanços e entraves à participação plena das mulheres em África e aponta caminhos concretos para transformar discursos em ação.

Desempenhou cargos de alto nível. No desempenho dessas funções, enfrentou desafios por ser mulher? Se sim, como os superou?

Sim, enfrentei desafios por ser mulher, assim como muitas outras, em diversas áreas. Ao longo dos anos, esses desafios foram diminuindo, impulsionados pelos movimentos de promoção e empoderamento das mulheres. Um dos principais obstáculos foi lidar com estereótipos e preconceitos, que frequentemente limitam as expectativas sobre o que uma mulher pode alcançar e como pode contribuir de maneira diferenciada, trazendo para a discussão os desafios enfrentados por parte da população. Para superá-los, procurei capacitar-me continuamente, demonstrar competência e confiança no que faço e construir uma rede de apoio com colegas e mentores que valorizam a diversidade e a igualdade. Além disso, manter uma postura assertiva e focada em resultados ajudou a quebrar barreiras e a conquistar respeito e reconhecimento. Acredito que a persistência, a resiliência e o apoio mútuo entre mulheres são essenciais para superar esses desafios.

Foi Ministra da Pesca, Agricultura e do Desenvolvimento Rural, Ministra dos Assuntos Marítimos, Ministra do Turismo. Foi vice-presidente da Comissão Económica das Nações Unidas para a África e Diretora Adjunta da Organização de Alimentação e Agricultura (FAO). Liderar organizações internacionais traz desafios diferentes dos enfrentados em cargos governamentais?

Gerir um governo e uma organização internacional envolve diferenças fundamentais em estrutura, objetivos e funcionamento. Um governo administra um estado soberano, com hierarquia de poder e autoridade para criar e aplicar leis. Já as organizações internacionais são formadas por Estados membros, onde as decisões exigem consenso ou votação, refletindo interesses diversos. Os governos têm como prioridade o bem-estar dos cidadãos, abrangendo segurança, saúde e infraestrutura. As organizações internacionais, por sua vez, lidam com desafios globais, como paz, desenvolvimento e direitos humanos, promovendo cooperação e normas internacionais. Enquanto os governos são legitimados por eleições e respondem diretamente à população, as organizações internacionais derivam sua legitimidade de acordos entre Estados membros, com mecanismos próprios de prestação de contas. Outra diferença importante está no financiamento: os governos arrecadam impostos e possuem recursos para implementar políticas, enquanto as organizações internacionais dependem de contribuições voluntárias e doações, o que pode limitar sua atuação. Na gestão de conflitos, os governos podem impor leis e usar força para manter a ordem, enquanto as organizações internacionais baseiam-se na diplomacia e mediação, sem autoridade coercitiva. Apesar dessas diferenças, ambos buscam o bem comum, a redução das desigualdades e a promoção de direitos humanos, segurança alimentar e resiliência climática, sendo o diálogo um traço comum.

Como vê a influência das mulheres nesses espaços?

A presença feminina em cargos de poder tem crescido nas últimas décadas, refletindo avanços na igualdade de género e mudanças estruturais. Esse aumento ocorre tanto nos governos nacionais quanto em organismos internacionais, embora desafios persistam. O número de mulheres em posições políticas – chefes de Estado, ministras e parlamentares – tem aumentado, trazendo maior diversidade à formulação de políticas públicas. Estudos indicam que essa participação pode ampliar o foco em temas como igualdade de género e proteção social, mas a sua influência depende do contexto político e do apoio institucional. Nos organismos multilaterais, há esforços para ampliar a presença feminina em cargos de liderança. António Guterres, Secretário-Geral da ONU, promove a paridade de género (50/50), mas as mulheres continuam sub-representadas nos altos cargos. Apesar dos desafios, sua presença impulsiona debates e contribui para uma abordagem mais inclusiva e colaborativa. O crescimento da participação feminina em governos e organizações internacionais representa um avanço na busca pela igualdade de género, mas os desafios estruturais ainda são significativos. A presença de mulheres nesses espaços pode trazer novas perspetivas e promover uma abordagem mais inclusiva e colaborativa na tomada de decisões, desde que acompanhada de mudanças políticas e culturais que garantam seu impacto real

Situação atual das mulheres em África

Na sua opinião, quais são os maiores avanços e os principais entraves para a participação plena das mulheres no desenvolvimento socioeconómico de África?

Nos últimos anos, o acesso das mulheres à educação cresceu significativamente em países como Ruanda, Etiópia e África do Sul, permitindo que adquiram competências para participar na economia. No entanto, o acesso limitado à inovação e às tecnologias dificulta a sua ascensão profissional e empresarial. O empoderamento económico também tem avançado por meio de programas de microcrédito e empreendedorismo feminino, ajudando mulheres a iniciar e expandir negócios. A presença feminina em cargos de liderança cresce, como no Ruanda, onde as mulheres são maioria no Parlamento e no governo, e na Namíbia, que recentemente elegeu sua primeira presidente, juntando-se à Tanzânia. Muitos países africanos implementaram leis para promover a igualdade de género, como quotas para mulheres no parlamento e medidas contra a discriminação. No entanto, normas culturais e tradições ainda impõem barreiras sociais, relegando muitas mulheres a papéis domésticos e restringindo a sua presença na tomada de decisões. O acesso limita do a recursos como terra, crédito e investimentos continua a dificultar a sua autonomia financeira. Além disso, a violência de género, incluindo a violência doméstica, representa um grande obstáculo, afetando a saúde física e mental das mulheres e limitando a sua participação na sociedade. A precariedade de infraestruturas básicas, como abastecimento de água e eletricidade, também impõe desafios, aumentando a carga de trabalho doméstico e reduzindo o tempo disponível para atividades económicas ou educacionais. Embora os progressos sejam evidentes, ainda há um longo caminho a percorrer para garantir a plena inclusão das mulheres no desenvolvimento de África. O sucesso dessa transformação dependerá da combinação de esforços governamentais, iniciativas da sociedade civil e mudanças culturais que promovam a igualdade de género e impulsionem o crescimento sustentável do continente.

Como vê a relação entre empoderamento feminino e crescimento económico nos países africanos? Há exemplos inspiradores que gostaria de destacar?

A relação entre empoderamento feminino e crescimento económico nos países africanos é profunda e multifacetada. O empoderamento das mulheres não apenas promove a equidade social, mas também impulsiona o desenvolvimento económico sustentável. Quando as mulheres têm acesso à educação, ao emprego e aos recursos financeiros, os impactos se estendem a diversas áreas, como saúde, educação e redução da pobreza. Garantir que mais mulheres ingressem no mercado de trabalho aumenta a produtividade e diversifica as competências disponíveis. Além disso, mulheres empoderadas tendem a tomar decisões financeiras que beneficiam as suas famílias e comunidades, investindo em saúde e educação redução da pobreza. O acesso a crédito e redes de suporte também estimula o empreendedorismo feminino, fortalecendo economias locais. Com mais mulheres controlando recursos financeiros, as taxas de pobreza tendem a diminuir, pois grande parte dos rendimentos é reinvestida em suas comunidades. Há diversas iniciativas que comprovam esses efeitos positivos. O modelo de microfinanças inspirado no Grameen Bank, por exemplo, tem sido aplicado em muitos países africanos, permitindo que mulheres de comunidades rurais acedam a pequenos empréstimos para desenvolver negócios. Em Uganda e no Quênia, cooperativas femininas fortalecem a produção agrícola e agregam valor às cadeias de suprimento. Governos como o da Tanzânia têm adotado políticas para incentivar a inclusão feminina na agricultura e na mineração. Programas como o Girl Effect promovem a educação de meninas e o uso da tecnologia, preparando-as para o setor digital. Na África do Sul, a Rede de Mulheres Líderes busca aumentar a presença feminina em posições de decisão. O empoderamento feminino é essencial para um crescimento económico sustentável e inclusivo. Como se costuma dizer, ao empoderar uma mulher, empodera-se toda uma comunidade.”

Pertinência do Fórum e caminhos para o futuro

Que papel eventos como este Fórum podem desempenhar na promoção de mudanças concretas para as mulheres?

Eventos como o Fórum Mulher e os Desafios do Desenvolvimento: Mais Participação, Melhor Futuro desempenham um papel crucial na promoção de mudanças concretas para as mulheres. Esses espaços proporcionam oportunidades para debates aprofundados sobre desigualdades de género e os desafios específicos que as mulheres enfrentam nos âmbitos social, económico e político. Ao reunir especialistas, líderes, ativistas e representantes de diversos setores, esses eventos ampliam as vozes femininas, dando visibilidade às experiências e perspetivas das mulheres, especialmente daquelas em situações de maior vulnerabilidade ou em contextos rurais. Além disso, promovem a troca de conhecimento, facilitando a partilha de boas práticas, pesquisas e estratégias que já estão sendo implementadas para promover a igualdade de género e inspirando novas ações e políticas. O impacto dessas iniciativas também se reflete na capacidade de influenciar políticas públicas. Ao destacar dados e evidências, os debates podem pressionar governos e instituições a adotar medidas mais efetivas para garantir direitos fundamentais, como acesso à educação, saúde, emprego e participação política. Paralelamente, esses encontros fortalecem redes de apoio ao conectar mulheres e organizações, criando alianças estratégicas para impulsionar mudanças em nível local, nacional e global. Além disso, sensibilizam e mobilizam não apenas mulheres, mas também homens e demais atores sociais na luta por um futuro mais equitativo. No entanto, para que essas discussões resultem em mudanças concretas e duradouras, é fundamental que se traduzam em ações práticas. No entanto, para que essas discussões resultem em mudanças concretas e duradouras, é fundamental que se traduzam em ações práticas. A implementação de políticas públicas, investimentos direcionados e mecanismos que garantam a participação efetiva das mulheres em espaços de decisão são essenciais. A continuidade e o monitoramento dessas iniciativas também são indispensáveis para assegurar que os avanços sejam sustentáveis.

Como podem os garantir que de ates como este se traduzam em políticas públicas e ações efetivas?

Para que os debates como estes tenham impacto real na formulação de políticas e ações efetivas, algumas estratégias são fundamentais. A compilação das conclusões e recomendações em relatórios acessíveis aos tomadores de decisão é um primeiro passo. Paralelamente, campanhas de advocacy podem pressionar governos e instituições a implementar as propostas discutidas. O envolvimento de diferentes setores, incluindo ONG, empresas, governos e comunidades, contribui para uma abordagem ampla e inclusiva. A capacitação de gestores e legisladores sobre a urgência das ações propostas também é essencial, assim como a criação de mecanismos para monitorar a implementação das políticas e ajustá-las conforme necessário. Conectar os resultados dos debates a metas globais, como a Agenda 2030, aumenta a visibilidade das propostas e a pressão por medidas concretas. Além disso, garantir que as vozes das mulheres e dos grupos marginalizados sejam levadas em conta no desenvolvimento e aplicação das políticas reforça a legitimidade das ações. Manter redes de articulação entre diferentes grupos e movimentos assegura a continuidade do diálogo e da mobilização, fortalecendo a implementação das mudanças necessárias. Essas abordagens aumentam a probabilidade de que os debates realizados resultem em transformações significativas e sustentáveis, evitando que esses encontros sejam apenas mais um evento entre tantos outros.

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