Sábado, 19 Abril 2025

Em tom de opinião

Água: o direito que ainda falta cumprir

Maria Graça – Diretora Geral

Acabo de escutar, na Rádio Nacional, que o concelho de São Domingos — a escassos 20 minutos da capital do país — está há dois meses sem água corrente. Não se trata de uma localidade remota, de difícil acesso ou esquecida nos mapas. Estamos a falar de uma comunidade com milhares de habitantes, muitos deles trabalhadores e trabalhadoras que contribuem diariamente para a economia nacional. Num país onde a chuva é rara e os recursos naturais são escassos, a água deveria ser tratada como prioridade absoluta. Os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística revelam uma realidade inquietante: cerca de 44% das famílias cabo-verdianas continuam a enfrentar dificuldades no acesso regular à água. Nas zonas rurais, esse número ultrapassa os 50%. Trata-se de um indicador alarmante, que ganha contornos ainda mais graves quando deixamos os gráficos e estatísticas e olhamos para a vida concreta: famílias que ficam dias sem água nas torneiras, mulheres e crianças que percorrem longas distâncias para encher garrafões, agricultores que veem as suas plantações definhar por falta de irrigação.

Ao longo dos seus 50 anos como país soberano, Cabo Verde tem registado avanços assinaláveis em vários sectores. Neste, em particular, há mais ligações domiciliares, mais sistemas de dessalinização, mais campanhas de sensibilização. Mas a desigualdade no acesso à água continua a ser gritante — e não podemos falar de desenvolvimento sustentável, nem de justiça social, enquanto um direito tão básico como o acesso à água for privilégio de alguns.O acesso à água potável não é um gesto de generosidade — é um direito humano. Um direito que impõe ao Estado e às instituições um dever inadiável: investir, planificar e agir com urgência, sobretudo nas zonas mais vulneráveis. A água é vida. E garantir água para todos é garantir futuro, pelo que não pode continuar a ser tratado como um problema local, sazonal ou episódico. É um desafio nacional, uma prioridade transversal que exige visão estratégica, ação coordenada e investimento contínuo e sustentável.

Há caminhos possíveis. Temos o saber, temos a criatividade, temos redes de colaboração internacionais e temos um povo resiliente. Mas resistir, por si só, não pode ser a nossa solução permanente. É preciso transformar essa resistência em planeamento e em ação transformadora. Precisamos de uma política de água verdadeiramente nacional — que não se limite aos centros urbanos ou aos períodos de crise, mas que assegure equidade territorial, continuidade no fornecimento e tarifas acessíveis. Água é vida. Água é base para a saúde pública, para a segurança alimentar, para a economia familiar. E, por isso, mais do que um bem escasso, é um bem comum que exige gestão eficiente, justiça territorial e soluções duradouras.

Comemorar 50 anos de independência é também refletir sobre o país que queremos ser nos próximos 50. Um país onde nenhuma criança tenha de levantar de madrugada, percorrer um longo caminho para conseguir encher um garrafão de água que lhe permita levar-se antes de ir para a escola. Onde nenhuma horta se perca por falta de irrigação. Onde nenhuma família precise armazenar água em bidões durante semanas. Um país onde a água, finalmente, chegue a todos.

A independência só será plena quando a água chegar a todas as casas, todos os dias.

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