Durante gerações, ensinámos às nossas crianças a não falarem com estranhos na rua, a não aceitarem nada de desconhecidos, a evitarem ruas desertas e escuras. Tudo isso com o propósito de as proteger do perigo “lá fora”. Mas hoje, o perigo já não está mais “lá fora”, longe dos nossos olhos e do nosso campo de ação. Paradoxalmente, de forma inconsciente e com a nossa complacência, o perigo entrou dentro de casa. Numa tentativa de compensar a nossa prolongada ausência devido ao trabalho ou outros motivos, abrimos as portas dos quartos dos nossos filhos e depositámos, nos seus bolsos ou nas suas mochilas, por meio de telemóveis ou tablets, conteúdos violentos, sexualizados, ideológicos/extremistas, humilhantes ou manipuladores. Expondo-os a padrões de beleza irreais e vidas vazias de “influencers”, deixamo-los indefesos perante redes de predadores que usam jogos e chats para se aproximarem deles, muitas vezes se passando por outros adolescentes.
Oferecemos, de mão beijada, aos nossos filhos e adolescentes um campo de batalha silencioso onde “likes”, “followers”, curtidas, comentários, partilhas, filtros e espetáculos são as armas que os fragilizam, minam sua construção emocional e os expõem permanentemente a diversas formas de bullying, muitas vezes sem que nos apercebamos. Na constante pressão para serem bem aceites, para serem vistos como modelos, para sentirem que são aprovados pelos outros, as crianças e adolescentes são vítimas de chacota em larga escala, seja por um vídeo, uma foto, uma frase ou até mesmo pelo uso inapropriado de um emoji. O bullying saltou do pátio da escola para o silêncio dos quartos.
Plataformas como TikTok, Instagram, Snapchat ou YouTube, pensadas para entreter e conectar, tornaram-se, para muitos jovens, espaços de vício, comparação constante e exposição extrema. O algoritmo nunca dorme. Incentiva o conteúdo mais provocador, chamativo e polémico. Para um adolescente em formação, em busca de pertença e validação, isso é uma armadilha com consequências reais: ansiedade, baixa autoestima, transtornos alimentares, automutilação, isolamento. E tudo isso pode acontecer enquanto o pai, a mãe ou o cuidador está tranquilamente na sala ao lado, assistindo ao seu programa de televisão, conversando com amigos e familiares ou, simplesmente, descansando de um dia intenso de trabalho.
Esta minha reflexão vem na sequência de uma minissérie que acabei de ver recentemente na Netflix, Adolescência, lançada no passado mês de março, que explora exatamente esse abismo silencioso: os perigos que as crianças e adolescentes enfrentam no ambiente digital.
Adolescência apresenta a história de Jamie Miller, um jovem de 13 anos acusado do homicídio de uma colega de escola. A narrativa explora as complexidades das relações familiares, a influência das redes sociais e os desafios enfrentados pelos jovens na era digital. A série destaca-se pela sua abordagem realista e pelas atuações impactantes, especialmente de Owen Cooper, que interpreta o adolescente Jamie Miller, e de Stephen Graham, que interpreta o pai Eddie Miller. A produção tem sido amplamente elogiada pela crítica e pelo público, e a sua representação autêntica dos desafios enfrentados pelos adolescentes na era digital tem gerado discussões importantes sobre a necessidade de uma maior supervisão parental e educação digital.
Adolescência está também a ser utilizada em escolas secundárias no Reino Unido como uma ferramenta educativa para iniciar conversas sobre os danos potenciais das redes sociais nas crianças.
É urgente seguirmos o exemplo do Reino Unido e conversarmos com os nossos filhos sobre os perigos das redes sociais. Devemos colocar a educação digital na mesma pauta em que falamos de aprendizagem de uma língua estrangeira ou de matemática. Precisamos legislar com firmeza sobre a proteção de menores online. Acima de tudo, precisamos de espaço para os nossos filhos, voltar a olhá-los nos olhos e perguntar como se sentem, o que veem, com quem falam, o que os inquieta.
A tecnologia é parte integrante deste mundo, e não podemos demonizá-la. O problema está na ausência de mediação, na naturalização do vício digital, na solidão invisível que cresce por detrás dos filtros e hashtags. Não basta dar um telemóvel a uma criança e esperar que ela “se entretenha”. É preciso ensiná-la a proteger-se, a distinguir o real do ilusório, a saber dizer não.
Proibir? Não resolve. Ignorar? Muito menos. O que se exige é presença parental, diálogo e escuta ativa. Se queremos que as crianças e os adolescentes cresçam num mundo mais seguro e consciente, precisamos estar com eles nesse mundo — inclusive (e especialmente) no digital. Precisamos também de políticas públicas que eduquem para o digital e responsabilizem as plataformas. Nenhuma criança deveria crescer acreditando que só é amada se tiver “likes” e “followers”. Nenhum adolescente deveria ser exposto a predadores ou humilhações virais sem que isso cause indignação social e consequências legais.
O perigo agora está no quarto, sim. Mas, no lar, está o antídoto: uma família atenta, vigilante, que cuida e protege.
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