Sábado, 19 Abril 2025

Em tom de opinião

O fomento do pensamento crítico versus o desenvolvimento de Cabo Verde

Maria Graça – Diretora Geral 

No nosso país, ao contrário do que acontece em muitos outros, o pensamento crítico, em vez de ser incentivado, muitas vezes é desencorajado desde a infância, o que levanta sérias preocupações. Em casa e nas escolas, as crianças são ensinadas a obedecer sem questionar, a aceitar como verdades todas as informações que lhes são transmitidas e a não contrariar, de modo algum, pais e professores. Esse modelo educacional, que privilegia a memorização em detrimento da reflexão, priva os jovens da capacidade de analisar, interpretar e contestar informações – habilidades essenciais para a formação de cidadãos conscientes e participativos. Em um país arquipelágico como o nosso, onde são raros os museus, onde não há salas de cinema, e onde as galerias de arte e as bibliotecas são escassas ou inexistentes em muitas ilhas, o incentivo ao pensamento crítico torna-se ainda mais urgente.

A leitura desempenha um papel crucial neste processo. O acesso a livros, revistas, jornais e outros materiais escritos permite que os indivíduos expandam os seus horizontes, conheçam diferentes perspetivas e desenvolvam uma visão mais ampla da realidade. A leitura fomenta a capacidade analítica, estimula a criatividade e fortalece a habilidade de argumentação, tornando-se um instrumento essencial para a emancipação intelectual. No entanto, quando as bibliotecas são escassas e os hábitos de leitura não são incentivados desde cedo, o potencial transformador do pensamento crítico fica comprometido.

A formação intelectual está intrinsecamente ligada à capacidade de acesso a diferentes formas de conhecimento. Quando os espaços culturais e académicos são limitados, a transmissão de informação torna-se um processo dependente de poucas fontes, muitas vezes sem o estímulo ao debate ou à reflexão crítica. A falta de acesso a museus, cinemas, galerias e bibliotecas restringe o contato da população com diferentes perspetivas e expressões artísticas, limitando assim a diversidade de pensamento.

No campo cultural, o pensamento crítico permite que os indivíduos compreendam as suas próprias identidades e histórias dentro de um contexto mais amplo. A arte, a literatura, o cinema, o teatro e outras manifestações culturais são elementos essenciais para a formação de uma consciência coletiva e para o fortalecimento da identidade nacional. Sem um acesso amplo a esses meios, o risco de homogeneização cultural e de empobrecimento das narrativas locais torna-se uma realidade preocupante.

Politicamente, o pensamento crítico é uma ferramenta essencial para a democracia. Cidadãos capazes de analisar criticamente informações, discursos e ações governamentais estão mais aptos a exigir transparência, responsabilidade e participação efetiva nas decisões que afetam o coletivo. Espaços de discussão reservados apenas a partidos políticos e a limitação do acesso a diferentes fontes de conhecimento podem resultar em uma sociedade menos questionadora e mais vulnerável à desinformação e à manipulação.

Nesse contexto, a voz dos académicos e dos estudantes universitários é fulcral para impulsionar o desenvolvimento do país. Universidades são centros privilegiados de produção e disseminação do conhecimento, e o envolvimento ativo de seus membros no debate público pode contribuir significativamente para a elaboração de soluções inovadoras e sustentáveis. Académicos e estudantes têm o potencial de questionar paradigmas, propor novas abordagens e influenciar decisões políticas e econômicas que impactam toda a sociedade.

Além disso, as elites culturais, intelectuais e académicas desempenham um papel determinante na promoção do pensamento crítico e na democratização do conhecimento. É fundamental que assumam a responsabilidade de ampliar o acesso à informação, estimular o debate público e fomentar uma cultura de questionamento e inovação. Quando essas elites se envolvem ativamente na construção de uma sociedade mais reflexiva e informada, contribuem para o fortalecimento da cidadania e para a criação de políticas públicas mais eficazes e inclusivas. Mas onde estão essas vozes em Cabo Verde?

Perante este cenário, é fundamental que procuremos estratégias para fomentar o pensamento crítico mesmo em condições adversas. O fortalecimento da educação, a digitalização de acervos e o estímulo ao debate em ambientes comunitários são algumas das alternativas viáveis. Projetos que incentivem a leitura, a produção artística e o diálogo interjecional podem contribuir significativamente para a expansão do pensamento crítico e para o desenvolvimento de uma sociedade mais autónoma e criativa.

Em suma, o pensamento crítico é um motor essencial para o progresso intelectual, cultural e político de qualquer nação. Em um país arquipelágico com recursos culturais limitados, promover a reflexão, estimular a diversidade de ideias e criar novos espaços de acesso ao conhecimento são desafios que exigem a colaboração de todos os setores da sociedade. O futuro dependerá da capacidade coletiva de superar essas barreiras e de transformar o pensamento crítico em um alicerce sólido para o desenvolvimento sustentável.

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