Sábado, 19 Abril 2025

Grande Entrevista

Isabel Moniz, presidente da Associação Colmeia

“A Colmeia existe por causa dos seus parceiros”

Isabel Moniz, presidente da Associação Colmeia

Assinala-se na próxima quarta-feira, 2 de abril, o Dia Mundial de Consciencialização sobre o Autismo. Isabel Moniz, a presidente da Associação Colmeia, conta em entrevista ao Voz do Archipelago que a criação da associação nasceu da sua experiência pessoal como mãe de uma criança autista. Dez anos depois, a Colmeia é uma referência em Cabo Verde e no exterior, impactando diretamente quase 800 utentes e contribuindo para a inclusão, reabilitação e sensibilização de uma sociedade ainda em transformação.

Por: Teresa Sofia Fortes

O que a motivou a fundar a Associação Colmeia?

Penso que Cabo Verde inteiro sabe que eu sou mãe de um jovem autista, que desde o ano passado se encontra na universidade. Eu passei por um processo que foi muito difícil porque antes havia uma grande dificuldade em termos de especialistas no país para avaliação, assim como também para fechar o diagnóstico. Assim como eu, havia várias famílias que tinham filhos nesta condição, e que estavam ao “Deus dará”, sem saber o que fazer, na incerteza do que o dia de amanhã seria. Graças a Deus, eu e o meu marido, junto com o nosso filho, saímos de Cabo Verde por um período para ver se conseguíamos obter algum resultado. Mas há outras famílias que não tinham essa possibilidade, que não sabiam nem o que era o autismo e que tinham filhos naquelas condições. O que, de facto, mais motivou-me a organizar as outras famílias e procurar apoio de alguns especialistas que havia em Cabo Verde, é que perguntava a mim mesma: se as outras crianças tivessem as mesmas condições que o meu filho tinha, ainda que fosse pouco, não estariam melhores? Esta é uma das razões que me motivou a procurar apoio. A EME – Marketing e Eventos, Maria Graça e a Maria Martins, entre outros, foram pessoas que estiveram comigo desde o mês zero da criação da fundação da Colmeia até este momento, 10 anos de vida. É um trabalho que valeu a pena porque, se de antes não conseguíamos fechar diagnósticos em Cabo Verde por falta de especialistas, agora temos alguns.

Que balanço faz destes 10 anos de existência?

A Colmeia, neste momento, é uma instituição reconhecida nacional e internacionalmente, que faz um trabalho em termos de respostas de reabilitação e habilitação com uma equipa de especialistas multidisciplinar para atender esta população, desde crianças até adultos. Estamos neste momento a implementar a parte de inserção socioprofissional com sucesso, porque já temos alguns jovens, ainda que em número reduzido, no mercado de trabalho. Já temos jovens a produzir na própria Colmeia peças de artesanato e pintura, crianças nas escolas estimuladas com aprendizado, e também famílias informadas, que saíram do seu período de luto, que não fecham as suas crianças em casa. Todo deste trabalho que a Colmeia fez também contou com o apoio e a solidariedade de muitos que repercutiram na criação de políticas públicas, na visão de respostas em termos sociais, que é muito importante.

Quantas pessoas a associação já conseguiu impactar diretamente?

A Colmeia vai fechar este ano com quase 800 utentes, entre crianças, adolescentes e jovens, mas, se contabilizarmos o pai e a mãe desses jovens, crianças e adolescente, o número é superior a isso. Também damos atendimento às próprias famílias, apoiando-as com cestas básicas. Sabe, há famílias que não têm 42 escudos para pagar o transporte para trazer o filho a um acompanhamento. Repito, todo esse trabalho valeu a pena. Deixo uma palavra de agradecimento a todos e a cada um que se juntou aos nossos esforços para fundar esta organização, que, neste momento, tem um prestígio louvável. Mas o mais prestigiante de tudo isto é que nós conseguimos resgatar vidas humanas. Hoje em dia, os pais sabem que os filhos, apesar das diversidades, têm respostas, devem procurar essas respostas e já veem os resultados dessas respostas nos seus filhos. Daí que este é um trabalho de grande valia para Cabo Verde, no seu todo, e o futuro da nossa sociedade.

O que definiria como os grandes marcos da história da Colmeia?

A melhoria da qualidade de vida desta população. Neste momento, sabemos que as crianças que frequentaram a Colmeia mais cedo, estarão nas escolas estimuladas e aprendendo. Sabemos que os jovens que frequentam o despiste vocacional em sessão socioprofissional, dependendo da sua condição e do grau, também estarão estimulados e atendidos. Montamos um serviço muito importante para o país, que é uma das melhores vitórias que a Colmeia tem tido até agora, com desafios enormes, uma equipa multidisciplinar, pluridisciplinar, desde a neuropsicologia, a psicologia, a fisioterapia, inclusive uma cientista, que é uma pessoa autista, que veio da Itália para nos ajudar a ajustar e melhorar as respostas que nós estamos a dar na Colmeia, a fim de fazermos o trabalho de uma forma cientificamente correta. Apoiamos também os professores que nos procuram e outros técnicos de outras áreas.

Mas, como disse antes, o trabalho da Colmeia não se restringe à prestação de assistência médica.

Sim, é verdade. Por vezes, chega até nós famílias que não têm um iogurte para dar ao seu filho, por isso temos sempre na Colmeia alguma coisa porque sabemos que algumas famílias que vêm cá estão numa situação de vulnerabilidade até em termos de alimentação, ou que não têm condições para comprar fraldas para o filho. Também ajudamos as famílias a procurar outras instituições para obterem respostas sociais, nomeadamente pensão social, rendimento social único, e encaminhamento para os hospitais e centros de saúde, e outras especialidades no campo da saúde e, quando temos apoio internacional, fornecemos acesso a especialidades em matéria da reabilitação e habilitação. Nós ainda fazemos trabalhos domiciliário com as famílias. Mais uma vez, obrigada a todos e a cada um que contribuiu para que a nossa visão, de facto, se transformasse em uma resposta tão importante, mesmo em termos de sensibilização do próprio Estado de Cabo Verde, inclusive entregamos este ano uma petição à Assembleia Nacional para que essas respostas sejam dadas a nível do sistema. Penso que melhor não podíamos fazer. Fizemos o possível, e esse possível tornou-se uma resposta a nível dos direitos humanos. Não há nenhum trabalho mais importante do que dar qualidade ou melhoria de vida a qualquer cidadão que estiver nesta condição.

A sustentabilidade financeira continua a ser o grande desafio?

A sustentabilidade financeira continua a ser um grande desafio. A Colmeia, neste momento, conta com 10 trabalhadores e, neste momento, temos uma equipa técnica especializada que que validam as respostas. E, sem o financiamento, nós podemos fechar as respostas que vão ao encontro da melhoria da qualidade de vida de quem estiver nesta condição. Por isso, não canso de agradecer aos parceiros porque sobrevivemos por causa da sua boa vontade A Colmeia existe por causa dos seus parceiros.

O apoio dos parceiros será certamente sempre bem-vindo, mas o que é preciso ser feito para que, digamos assim, a sustentabilidade não dependa dos parceiros?

Isto é um trabalho público. E, quando estamos a falar do trabalho público, é da responsabilidade do Estado trabalhar para que as respostas sejam efetivadas. Porque os parceiros contribuem, mas quem deve trabalhar para que haja uma política pública continue a dar respostas é o Estado, A Colmeia está, neste momento, a executar e, ao mesmo tempo, a complementar essas respostas, mas devia estar apenas complementar essas respostas.

O que o Estado tem feito não é suficiente?

Nós recebemos um duodécimo do Estado, que é de 87.750 estudos, e temos dois espaços também cedidos pelo Estado. Isto é muito importante. Mas, o espaço sozinho não se mantém, porque nós pagamos luz, água, telefone, e também aos especialistas. Temos recursos humanos porque a reabilitação e a habilitação são caras tanto em termos de implementação como de execução e continuidade. Eu vou lhe dar exemplo: um lápis normal pode custar 20 escudos, mas um lápis para o trabalho com as pessoas com essa diversidade, pode custar, não 5, mas 10 vezes mais. Portanto, isto encarece o trabalho. Mas por que nós devemos trabalhar com esse lápis que custa dez vezes mais? Porque é o lápis adequado para fazer o trabalho de melhoria. Nós não estamos a dizer que o Estado não contribui, estamos a dizer que o Estado precisa de melhorar o financiamento para esta instituição que está a fazer um trabalho público, que é visível aos olhos de todos.

Mas nós cabo-verdianos, como cidadãos individuais, devíamos também fazer mais. Como temos reagido às iniciativas da Colmeia? Tem havido adesão, nomeadamente com trabalho voluntário?

Nós temos pessoas que, a título voluntário, têm dado o seu apoio, mas nós precisamos de mais. Porque o voluntariado não é uma coisa que acaba, não começa hoje e termina amanhã, ou “hoje posso, amanhã não posso”. O voluntariado é um trabalho de continuidade. A população, quando adere a iniciativas de inclusão social, está a fazer um trabalho para si mesma, porque a inclusão é um processo em que todos nós devemos participar porque nós não sabemos o dia da manhã, até porque 87% das deficiências ou diversidades é adquirida, não é de nascença. Logo, este não é um trabalho de uma organização, é de todos. Todos nós devemos estar sensíveis para contribuir e para melhorar uma resposta que é tão importante.

Estamos nas vésperas do Natal. Como vai ser esta festividade na Colmeia?

O Natal da Colmeia todos os anos é um Natal sempre com brilho. Por mais que, digamos, terminemos o ano com os financiamentos a diminuir, a parte da festa tem sempre uma mãozinha de Deus. Sempre temos algo para fazer sorrir as crianças ou adolescentes: um lanche, por vezes, inesperadamente, um presente. Toda a equipa da Colmeia, que é resiliente, arregaça as mangas para que as nossas crianças passem um Natal e um Fim de Ano felizes, com alguma coisa em casa. Também temos contado com a solidariedade de várias pessoas, que nos têm ajudado a apoiar as famílias com uma cesta básica talvez um pouco mais rica.

Temos um novo ano à porta. Para a Colmeia, quais são as perspetivas para 2025?

A nossa perspetiva é dar continuidade a este serviço tão importante porque nós temos crianças que já estão estimuladas, que já estão na sala de aula, ou outros que já são mais autónomos. Ninguém que trabalha nesta área quer que aconteça uma regressão.

 

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